Após mais de uma semana de presença da Polícia Militar no campus da USP, a política repressiva da reitora Suely Vilela culminou na batalha campal de 9 de junho.
O conflito que se deu depois do fim da manifestação pela retirada da PM não se limitou ao portão principal, mas se estendeu até a parte central do campus, algo que não se via desde a ditadura militar: bombas de gás e de concussão, balas de borracha, prisões e um saldo de policiais, estudantes, professores e funcionários agredidos e feridos. É fundamental, pois, avançarmos no debate sobre a questão.
A reitoria fechou os canais de negociação com os movimentos da USP, deslegitimando a política como esfera de solução de conflitos e recorrendo a uma força externa de repressão.
Essa opção, que expressa seu caráter autoritário, infelizmente coerente com a estrutura de poder da USP, possui a especificidade de ser uma reação às atuais pressões externas e internas por democracia.
A USP tem enorme concentração de poder: apenas os professores titulares são elegíveis ao cargo de reitor, e este é eleito praticamente só por professores titulares. O colégio eleitoral do segundo turno, que de fato elege o reitor, restringe-se a cerca de 300 membros, dos quais 85% são professores (desses, mais de 90% são titulares), menos de 15% estudantes e apenas 1% funcionários.
Além disso, os membros do Conselho Universitário, instância máxima de decisão da USP e presidido pelo reitor, são em sua maioria professores titulares (cerca de 75%), muitos dos quais diretores de unidade -e, portanto, escolhidos pela reitoria.
As decisões mais importantes da universidade ficam concentradas nas mãos desses professores, que, segundo dados da USP, somam menos de 1% da comunidade universitária.
São números que relativizam as críticas de quem questiona a legitimidade das assembleias da Adusp (Associação dos Docentes da USP), do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP) e do movimento estudantil para se furtar ao debate político.
Além do fator estrutural, há um movimento crescente de autoritarismo que torna mais opacas as decisões políticas na USP.
Desde maio de 2008, as reuniões do Conselho Universitário não têm ocorrido em seu devido local, no prédio da reitoria, mas no Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), área com proteção militar e não pertencente à USP.
Ao todo, cinco reuniões foram realizadas no Ipen. Em duas delas, os representantes estudantis e dos funcionários não foram avisados da mudança de local, o que resultou na aprovação do orçamento para 2009 e na reforma do estatuto da USP sem as suas presenças, além de outros graves problemas procedimentais na votação.
Tais ilegalidades estão sendo contestadas na Justiça, por meio de um mandado de segurança articulado pela Associação dos Pós-Graduandos da USP-Capital e impetrado por alguns representantes discentes (processo 053.09.012697-4). Ou seja, estamos “explorando a legislação vigente”, ao contrário do que sugeriu o professor José Arthur Giannotti neste espaço na última quinta-feira.
Fatos dessa gravidade, aliados a outras formas de obstrução da já reduzida participação dos representantes discentes (RDs) nos conselhos decisórios, explicitam o que são as “vias institucionais” da USP.
Além de dispensar tratamento de segunda classe aos RDs, a Secretaria-Geral da USP, desde o início do ano e após seis pedidos formais de homologação, recusa-se a empossar os representantes da pós-graduação, baseando-se em uma nova interpretação “sui generis” e descabida do regimento interno da universidade.
Assim, depreende-se facilmente a falácia do conceito da reitora de “diálogo” e “convivência social pacífica”.
Não seria a reitora, bem como o grupo do Conselho Universitário que legitima suas medidas por meio de “resoluções”, o pivô da violência e da violação -das instituições, da democracia e da política-, ao se esconder em área militarizada e militarizando o campus para não se abrir ao debate?
Como a reitora, com a conivência da maior parte do Conselho Universitário, orquestra votação de temas fundamentais impedindo a presença da representação estudantil?
O atual clima de horror é incompatível com as funções de reflexão crítica e produção científica independente. A USP deveria ser o espaço do diálogo efetivo, e é ele que deve mediar os legítimos conflitos políticos.
Se a democracia está travada e a violência parte da reitoria, ao se furtar ao debate e recorrer à repressão policial, fica claro que Suely Vilela não possui condições nem competência de se manter no cargo e que a atual estrutura de poder tem de ser radicalmente transformada.
CAIO VASCONCELLOS, 27, e ILAN LAPYDA, 25, formados em ciências sociais, são mestrandos em sociologia na USP e coordenadores da Associação de Pós-Graduandos da USP-Capital, que ratifica este texto.