Em decisão polêmica e apertada, que cria precedente para os setores de energia e de telefonia, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) restringiu a contratação de trabalhadores terceirizados por concessionárias de serviços públicos. Ao julgar ontem ação civil pública contra a Celg, distribuidora de energia elétrica de Goiás, o TST entendeu que a empresa usava indevidamente funcionários terceirizados para desempenhar algumas de suas “atividades-fim”.
A decisão não tem caráter vinculante para processos que tramitam em instâncias inferiores, mas sinaliza qual será o entendimento do TST em julgamentos futuros. A Abradee, associação que representa as distribuidoras de energia, teme o efeito-cascata da decisão e fará uma reunião terça-feira, em Brasília, para avaliar o tema. A Celg informou que estuda recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Isso causa um enorme transtorno às distribuidoras e vai na contramão da história econômica brasileira”, afirmou o diretor jurídico da Abradee, Braz Pesce Russo. Empresas como Cemig, Coelce e Celtins se defendem de ações que tramitam no TST com o mesmo teor da recém-julgada.
O caso da Celg foi apreciado pela Seção de Dissídios Individuais (SDI-1), responsável por uniformizar decisões conflitantes tomadas por turmas diferentes do TST. Por oito votos a seis, os ministros consideraram irregular a contratação de terceirizados para a “construção e reforma de rede e subestações de energia elétrica, manutenção de rotina e de emergência”. Em outras palavras, trata-se do pessoal técnico com tarefas como instalar e manter cabos.
As empresas têm argumentado que legislações específicas, como a Lei de Concessões, autorizam a terceirização em atividades consideradas inerentes aos seus setores. O TST rejeitou a alegação da Celg – vitoriosa no TRT de Goiás – de que a Lei de Concessões permitia dar a esses trabalhadores o tratamento de atividade inerente. Executivos da Celg demonstraram decepção com o julgamento, mas disseram estar aliviados com uma ponderação do tribunal: motoristas e funcionários de call center não fazem parte das atividades-fim das concessionárias e podem continuar sendo terceirizados.
Primeiro voto contrário à Celg, o ministro Lelio Bentes Corrêa afirmou que, “se a terceirização é um fenômeno do mundo globalizado, a precarização que vem com ela também o é, e cabe ao Judiciário fazer oposição a esse fenômeno, especialmente em atividades que envolvem altíssimo grau de especialização e perigo”.
Para o ministro Vieira de Mello Filho, além de contrariar a legislação trabalhista, a terceirização “traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva”. O presidente do TST, Milton de Moura França, discordou e votou a favor da concessionária. “O que é realmente ofensivo à dignidade humana é o trabalhador não ter emprego, (…) viver na marginalidade sem nenhuma proteção jurídica, trabalhando sem direitos.”
O Ministério Público do Trabalho (MPT), autor da ação, alegou que o número de acidentes explodiu depois de iniciado o processo de terceirização da Celg, em 1993. Os procuradores apresentaram duas comparações: em um período com pouca terceirização, ocorreram 87 acidentes em 816 diasd+ em um segundo período, em 1996, foram 132 acidentes em 270 dias.
O TST deu prazo de seis meses para a substituição dos terceirizados. O presidente da Celg, Carlos Silva, considerou o prazo curto demais. Por tratar-se de empresa estatal, terá que abrir concurso público para contratar eletricitários, realizar treinamento, comprar equipamentos por meio de licitação e rescindir contratos com as empresas terceirizadas. “O normal é que tudo isso leve pelo menos um ano”, disse Silva, evitando fazer estimativas sobre o impacto financeiro da decisão.
Em sua defesa, a Celg argumentou que a terceirização era necessária para o seu funcionamento. Russo, da Abradee, acrescentou que a atividade-fim das distribuidoras é apenas entregar “energia de qualidade” para o consumidor. Instalar cabos e postes são atividades inerentes, que podem ser terceirizadas, segundo ele. O diretor ressaltou o placar apertado da votação. “O entendimento não é pacífico e houve uma dissonância representativa”, completou.
O TST também iria julgar uma ação civil pública contra a terceirização de trabalhadores da Telemar (atual Oi). Mas os ministros se recusaram a examinar o recurso apresentado pelo MPT, contestando decisão do TRT do Rio Grande do Norte favorável à concessionária. Para os ministros, o MPT não cumpriu com formalidades no recurso, como a citação correta de decisões divergentes. Por isso, não houve avaliação do assunto e não caberá novo recurso nessa ação.
Por enquanto, a Oi se livra de qualquer obrigatoriedade de contratar trabalhadores para executar as suas “atividades inerentes”. Outros ações, porém, devem chegar em breve ao TST e cobrar uma definição. O sindicato da categoria, que acompanhou a sessão, manifestou otimismo.
“Infelizmente houve excesso de formalismo”, disse João de Moura Neto, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), que esperava uma decisão ontem. “Mas não pode haver tratamentos diferentes para as concessionárias de serviços públicos e vamos pedir ao TST uma interpretação isonômica para as empresas de telefonia.”