Se aprovado nos termos propostos pelo Ministério da Cultura, o projeto de mudanças na atual lei federal de incentivos culturais, a Lei Rouanet, vai reduzir o apetite de empresas privadas em investir em cultura.
É o que revelam entrevistas à Folha e um documento enviado ao governo por institutos ligados a grandes companhias que hoje patrocinam cultura em troca de benefícios do Imposto de Renda.
A mudança foi proposta em março passado pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, e ainda está em discussão. Um de seus objetivos é “democratizar” e “regionalizar” a produção cultural no Brasil, reduzindo, nas palavras do próprio ministro, o “poder absurdo” das empresas na escolha dos filmes, peças, exposições e festivais que são patrocinados com a alavanca da renúncia fiscal.
A principal mudança proposta pelo MinC diz respeito ao critério de aprovação dos projetos a serem patrocinados. Hoje tal aprovação tem uma rotina quase automática -o MinC tem pouco espaço para vetá-los ou adaptá-los às prioridades oficiais.
O projeto autoriza a criação de requisitos adicionais de aprovação, com os quais o governo pretende elevar o patrocínio cultural nas regiões Norte e Nordeste e restringir ao máximo o número de projetos com 100% de abatimento do IR.
Além disso, o ministério pretende criar uma forma de usar a renúncia fiscal para alavancar o Fundo Nacional de Cultura, ligado à pasta e que hoje opera apenas com dinheiro do próprio orçamento.
Pela metade
Ao todo, a Folha ouviu 15 empresas. Onze disseram que seus investimentos em cultura tendem a cair se o projeto restringir benefícios fiscais ou obrigá-las a mudar o foco de seus investimentos.
Quatro dizem que vão manter seu volume de patrocínio. Apenas uma diz que vai elevar os investimentos em cultura. Seus nomes só são indicados nos casos em que as empresas assim o permitiram.
“Se esse projeto for aprovado tal como proposto, cortaríamos pela metade nossos investimentos gerais na área”, disse Selma Caetano, consultora cultural do Grupo Carrefour. “O projeto parte da ideia, equivocada, de que o governo sabe mais onde colocar o dinheiro do que o setor privado.”
Segundo Selma, o Carrefour faz intensa programação cultural na região da zona sul de São Paulo, onde fica o instituto cultural da empresa e onde quase não existem espaços culturais.
“Sob o pretexto de direcioná-lo, o governo vai perder não só o dinheiro alocado para impostos como também a contrapartida das empresas, que não têm nada a ver com impostos.”
Na mesma linha falou Tanyse Marconato, coordenadora de marketing da seguradora Porto Seguro.
“Nossos investimentos certamente diminuiriam. Como pode o governo conhecer melhor a estratégia da nossa empresa?”
Para Eduardo Saron, superintendente do Itaú Cultural, é preciso obter mais recursos, e não dividir o pouco que se tem. “Entendo como legítima a necessidade de elevar o orçamento oficial do Ministério da Cultura e do Fundo Nacional de Cultura. Nesse aspecto, o MinC está correto. Mas isso deveria ser feito com a ampliação do perfil das empresas patrocinadoras, e não dessa forma. Do jeito proposto, existe, sim, o risco de desincentivo.”
Casa Civil
Há alguns dias, um grupo de institutos ligados a empresas co-assinou um documento, encaminhado à Casa Civil, propondo correção de rumo à proposta de alteração da lei.
O objetivo é convencer o Planalto a suavizar o projeto do Ministério da Cultura. Entre os institutos culturais que assinaram o documento estão os ligados a empresas como CSN, Gerdau, Usiminas, CSN, Oi, Itaú, CPFL e Acesita.
“Os que subscrevem essa proposta compartilham do entendimento sobre a importância do fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura. Porém, para tanto, julgam essencial ampliar as formas de obtenção de recursos, ao invés de se promover a divisão do pouco que se tem”, informa o documento.
Segundo as empresas, “na medida em que o projeto em questão tem como um de seus objetivos o incremento orçamentário do FNC, é fundamental declarar suas novas fontes de receita.”
Três empresas que assinam o documento falaram à Folha. Segundo elas, o projeto precisa, sim, ser alterado e democratizado. Mas as mudanças são propostas em um momento ruim, em meio à crise econômica, por meio de mecanismos frágeis que deverão colocar em segundo plano, na lista de prioridades das empresas, o investimento cultural.
Em nota, a Gerdau preferiu não falar sobre o projeto do governo. Preferiu comentar apenas o aprimoramento da lei como um todo. “A visão da Gerdau é que o resultado final será positivo para a cultura e para os seus investidores. Dessa forma, a empresa não vislumbra dificuldades futuras na utilização de incentivos fiscais em programas culturais.”
Maior patrocinadora cultural do país, a Petrobras, que não assina a lista, disse não estar em condições de anunciar a elevação ou a diminuição dos investimentos em cultura porque ainda está analisando a proposta do governo.