Reeleito para presidir a Associação dos Professores da Universidade Federal de Santa Catarina (Apufsc) até 2010, o professor Armando de Melo Lisboa critica as práticas sindicais da Andes, motivo que o levou a romper com os colegas da diretoria anterior. “Não é possível rejeitar a tecnologia, internet, fóruns digitais. Os professores não têm mais tempo para fazer grandes mobilizações e assembleias a toda hora. E o sistema Andes insiste em ser presencial”, avalia. Com uma votação que mobilizou 75% dos professores da ativa, a gestão comandada por Armando iniciou um processo amplo de debate sobre a própria entidade que culminou com a publicação de um novo estatuto e a suspensão temporária de recursos à entidade nacional. “A perda do registro sindical da Andes compromete o nosso futuro”, acredita. Apesar disso, o líder docente sublinha que a Apufsc segue sendo seção sindical, e que um rompimento definitivo com entidade nacional e uma possível a filiação ao Proifes será fruto de decisão coletiva. “Estamos abrindo a discussão para dar condições aos nossos associados de se posicionarem”. A entrevista de Lisboa à revista Adverso aconteceu no mesmo dia em que a Apufsc chamou seus filiados para um protesto contra o pró-reitor de Desenvolvimento Humano, Luiz Henrique Vieira Silva, que processa dois docentes por dano moral. Os professores escreveram um artigo no qual defendem que atitudes de Luiz Henrique aceleraram o processo de perda da URP, em fevereiro de 2007. O presidente da Apufsc aproveita o tema e encoraja as Associações Docentes a buscarem um acordo nacional para garantir a isonomia salarial. “Só é possível resolver esse tema a partir da política sindical”, defende.
Em 2008, o senhor foi reeleito presidente, mas não ao lado da antiga diretoria. O que houve?
No meu primeiro mandato tive vários desentendimentos com os colegas da diretoria e houve uma ruptura. Especialmente à medida que fui expressando críticas ao modo de fazer política sindical proposto pela Andes. A reação dura dos meus colegas de diretoria foi compensada com uma grande reação de centenas de professores em meu apoio. Por isso fomos eleitos com um grande número de votos. Cerca de 1100 professores votaram, entre os 2600 associados. Isso que quase 900 são aposentados! Portanto, entre os professores da ativa e que estão no campus, 75% participaram da eleição. E a nossa chapa foi consagrada com dois terços dos votos.
Há uma ligação entre essa mobilização e o debate que se faz nacionalmente, sobre Andes e Proifes?
Infelizmente já houve a cristalização dessa divisão dentro do Movimento Docente nacional. A nossa Universidade estava muito mal informada a respeito disso porque as antigas diretorias da Apufsc sequer informavam a existência do Proifes nem comentavam essa fragilização da Andes. Nossa primeira ação foi abrir essa discussão para dar condições aos nossos associados de se posicionarem. Fizemos um debate entre representantes das entidades e o nosso boletim passou também a trazer informações do Proifes. Isso antes era vetado! Era um pecado falar em Proifes no boletim da Apufsc. Da mesma forma que era um crime que a nossa página trouxesse um link para a página do Proifes!
A Apufsc segue sendo uma Seção Sindical?
Faço parte do movimento de renovação da Apufsc que se chama Nova Apufsc e no último ano, nos concentramos em uma reformulação do regimento que estava muito defasado. Historicamente a Apufsc sempre foi muito vinculada à Andes. O primeiro congresso da entidade nacional aconteceu em Florianópolis, em 1982. O primeiro presidente da Andes era também presidente da Apufsc, o professor Osvaldo Maciel. Por isso, nesse momento evitamos colocar em xeque a relação com a Andes e nos mantivemos uma Seção Sindical. São dois momentos: primeiro, renovar profundamente nosso regimento e depois, abrir a discussão sobre o futuro sindical. Para não tumultuar.
Mesmo assim houve um rompimento?
Há um problema que é a perda do registro sindical da Andes. Solicitamos um parecer jurídico sobre o tema e com base nisso, decidimos – por vários motivos que estão expostos no nosso site – suspender o repasse de verbas da Apufsc para a Andes. A perda do registro atinge a Apufsc. É o nosso futuro que está comprometido e precisamos que a categoria nos dê uma resposta. Os recursos estão sendo depositados em conta enquanto aguardamos uma resolução. Ou a Andes recupera a carta sindical ou em assembleia a Apufsc decide seguir outro caminho. Nesse momento, o dinheiro será transferido para a entidade escolhida. São mais de R$ 300 mil ao ano.
Como tem sido proposto esse debate?
Nossa posição é avançar o máximo possível no debate, sempre com os colegas nos acompanhando. A categoria precisa se reposicionar, ter elementos para tomar uma decisão. Isso não pode ser decidido por uma diretoria, entre quatro paredes, mas tem que passar por uma assembleia e com um amplo debate.
Quais as alterações feitas no regimento?
Conseguimos recuperar o Conselho de Representantes, que inclui mais de 60 departamentos da nossa Universidade. Esse órgão inexistia na Apufsc há mais de 20 anos, o que era totalmente irregular. A Apufsc não poderia existir sem o Conselho de Representantes, não poderia nem ter eleições. E agora eles têm reuniões mensais. O Conselho estava inativo porque não tinha força. Agora a diretoria virou um órgão puramente executivo e as deliberações são feitas através do Conselho. Por exemplo, para determinar um gasto extra, somente com aprovação do Conselho, assim como convocações da assembleia. Outro a mudança importante foi determinar um quorum mínimo para assembleia e para reuniões de diretoria.
Não havia um mínimo estabelecido?
Um sindicato, que é algo coletivo, não pode funcionar sem quórum e na Apufsc não existia quórum. Já fizemos assembleias com meia dúzia de professores. Tem uma fotografia clássica de uma Assembleia Geral acontecendo em uma mesa! Nosso quórum mínimo passa a ser de 5%, cerca de 130 professores. Mas para decisões de greve, exigimos um quarto de professores, 25% dos associados.
O propósito é aumentar o controle dos associados sobre a entidade?
Queremos que a Apufsc responda aos interesses de todos. Isso deve fortalecer a entidade e deixá-la identificada com os professores. Todo o nosso esforço sempre foi no sentido de reaproximar a Apufsc dos professores.
Esse afastamento entre categoria e entidade se repete nacionalmente?
Mas é claro! Basta ver os relatórios do Andes que narram que as mobilizações: sempre tem meia dúzia! A divisão que há no Movimento Docente é resultante disso. Alguns colegas começaram a buscar outras formas de mobilização e não encontraram abertura dentro da Andes. Por isso resolveram seguir caminhos próprios.
É preciso renovar a política sindical?
Há um esgotamento de uma forma de se fazer sindicalismo docente. Quando o Movimento Docente surgiu, 30 anos atrás havia outro contexto. A ditadura militar proibiu a organização sindical. Nós professores tínhamos um inimigo em comum, lutávamos pela redemocratização do Brasil. Outra coisa importante é que a nossa carreira era precária. Não havia o Currículo Lattes, o conjunto de doutores era uma minoria. Hoje, um professor só ingressa em uma Instituição de Ensino Superior se tiver doutorado.
Mudaram os tempos e o perfil do professor.
Hoje todos os professores têm correio eletrônico. Não é mais possível rejeitar a tecnologia, internet, fóruns digitais. Não há duvida de que a saída para o Movimento Docente é a reconstrução do sindicalismo nas suas bases. Mas deve ser um renascimento a partir da realidade que nós temos. Hoje temos professores doutores sobrecarregados de pesquisas, de obrigações. Eles não têm mais tempo para fazer grandes mobilizações e assembleias a toda hora. E o sistema Andes insiste em ser presencial. Por isso a renovação passa pelo Conselho de Representantes. Assembleias com quórum qualificado e, portanto, mais raras, para temas mais fundamentais.
Com relação à carreira, a Apufsc busca um acordo político sobre os ganhos judiciais que garanta a isonomia salarial?
Houve um tempo em que o salário dos professores de Ifes se aproximava do vencimento dos juízes. Hoje eles ganham quatro vezes mais do que nós. A nossa categoria teve salários achatados graças à hiperinflação dos anos 1980. Os trabalhadores foram muito prejudicados. Algumas categorias reagiram e conseguiram ganhos judiciais. Inclusive várias Associações Docentes conseguiram reverter perdas.
E a URP é um exemplo.
Aqui na UFSC, cerca de dois mil professores ganhavam 26,05% a mais no salário graças à URP. Mas havia outros mil que não ganhavam. Isso é insustentável, é uma deformidade inadmissível, porque há universidades que não ganham. Significa que a nossa carreira está esculhambada! Através de ganhos judiciais em algumas universidades os docentes chegam a mais do que dobrar o salário normal.
A Apufsc é favorável a um acordo político para solucionar a questão?
Esse tema nos obriga a debater com o governo uma nova carreira. O interessante é que quando começamos a enfrentar o problema da URP aqui, em novembro de 2006 quando o governo cortou nossa URP. Tive uma reunião com o Ministro da Educação, Fernando Haddad. O professor Paulo Rizzo era presidente da Andes e estava junto. Alertei o ministro sobre a necessidade desse debate, que precisávamos discutir a isonomia salarial. Para minha surpresa, Haddad indagou ao professor Paulo Rizzo o porquê da Andes nunca ter colocado na mesa de negociação o tema.
Mais uma crítica à Andes?
Esse é o fio da meada da minha briga com os demais membros da antiga diretoria. O rompimento aconteceu quando percebi que a Andes nada fazia por isso. Não só não nos defendia coletivamente como nunca pautou mesas de negociação uma nova carreira. A Andes só pauta a recuperação dos valores posteriores a 1995, desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Só é possível resolver esse tema a partir de um acordo político. O sindicato tem que pautar. Nossa carreira é isonômica, isso é uma violação de um direito constitucional. É o eixo da nossa carreira.
Dois professores da Ufsc estão sendo processados por escrever artigos sobre o tema?
Desde o início de 2007 perdemos a liminar que nos garantia o pagamento da URP. Em maio de 2008 assumiu o novo Reitor, que trocou todos os pró-reitores, à exceção de um, o de Recursos Humanos. Dois colegas publicaram artigos no informativo da Apufsc, criticando esse pró-reitor porque acreditavam que algumas decisões dele na gestão anterior aceleraram a perda da URP. Esse pró-reitor se sentiu ofendido e em fevereiro de 2009, esses professores foram notificados de um processo judicial, na justiça comum. Esse cidadão está processando eles por danos morais.
Há uma mobilização da entidade em solidariedade aos professores?
É a primeira vez na história da nossa Universidade que um pró-reitor processa professores. E ainda que alguém da nossa comunidade acadêmica processa colegas por artigos de opinião. Entendemos que isso é inadmissível. O ato de desagravo significa que esses professores não estão desamparados. Nosso sindicato está ao lado dos professores, mas isso não que dizer que endossamos o que escreveram.
Não se discute o conteúdo da manifestação.
Esse é um problema de forma. Enquanto cidadão, ele teria todos os direitos de processar, mas não enquanto pró-reitor. Isso é abuso de autoridade! Deveria de se afastado da função para abrir o processo. Ou ter buscado outros caminhos. O primeiro seria um artigo no próprio boletim da Apufsc. Ele está não intimidando apenas àqueles professores, mas sim toda a categoria. Isso compromete nosso direito à liberdade de expressão e viola a autonomia universitária na medida em que admite que a universidade não tem condições de dirimir suas querelas.