Santa Catarina e sua arena

A cena é a de uma arena, e o conflito é entre a proteção ao meio ambiente de um lado e a necessidade de produção, de desenvolvimento ou mesmo de subsistência de outro. Preservar o meio ambiente tornou-se ato de malfeitor. O teor novelesco, sentimental e convincente da cena serve apenas para induzir a erro. Evidencia uma estratégia simplista e retórica de não enfrentar os reais problemas do campo. É um teatro que isenta da seriedade devida. O Código Ambiental de Santa Catarina é um risco para a democracia, para a vida das pessoas e não resolve o problema do campo:

1. O Estado democrático de direito tem algumas razões para ser o que é: a) evitar a arbitrariedaded+ b) evitar o abuso de poderd+ e c) evitar a insegurança (que decorreria do fato de diferentes personagens terem legitimidade para dizer o que deve ser feito por todos). O poder deve ser concentrado (monismo jurídico).

Se as prescrições jurídicas forem feitas por vários grupos e todas elas forem igualmente válidas, imagine a confusão que isso daria. Não teríamos critérios comuns. Era assim na Idade Média, quando Igreja, senhor feudal e principados tinham, ao mesmo tempo, poder de dizer o que deveria ser feito. Isso não significa que as pessoas não tenham liberdade de terem suas regras, e isso não apenas existe como é norma constitucional: a) liberdade de crença e pensamentod+ e b) a máxima de que ao particular está permitido tudo que não está proibido. Há as regras morais das famílias, das instituições religiosas, das diferentes escolas. O ponto é que essas regras — morais — são válidas nos grupos que as elegem e elas são permitidas porque não violam os acordos públicos. Tampouco provocam dano a outros sujeitos.

O interesse público e o dano ao outro são os limites. Por isso que no Brasil não é todo interesse privado que é aceito. Isso tudo para deixar claro o perigo de começarmos a moldar a legislação a nosso “bel-prazer”. O nosso “bel-prazer” é contingente e nem sempre representa o interesse público e o bom senso. Mudar a legislação ambiental para agradar a interesse privado é corroer a democracia. Repito: o problema do campo não é a preservação do meio ambiente, mas nossa (in)capacidade de pensar alternativas inteligentes. Preservar ajuda na produção e no desenvolvimento. A única resistência a essa obviedade é o hábito reiterado, a teimosia e o lucro fácil.

2. Se o Estado não preservar o meio ambiente, por conta das suas características ambientais (chuvas, ventos e estiagem), continuará a testemunhar danos econômicos e, com o novo código, danos ainda maiores. Os rios irão subir e o impacto da seca será ainda mais cruel sem a preservação de matas ciliares e da mata atlântica. Preservar matas e mangues não é uma questão de “ecochatismo”, mas de percepção de causa e efeito. Árvores e mangues absorvem água e evitam que o solo perca porosidade. O pior de tudo é que, quando as enchentes vierem, o País terá que pagar a conta da irresponsabilidade.

3. Alternativas existem. A produção de orgânicos, por exemplo, dá trabalho, mas é o mercado que mais cresce. É preciso imposto e acesso a crédito diferenciado para se chegar a níveis de produção que permitam baixar preços. No Brasil, os produtos são, em média, 35% mais caros que os alimentos da produção linear. Quem faz uma plantação com químicos está contaminando o alimento, destruindo a terra, mas produzindo mais, vendendo mais e lucrando mais, porque ao colocar produtos em maior escala no mercado os preços tendem a ser menores.

A produção de orgânicos exige a preservação de matas, rios e das características da região. Isso contribui para o turismo e diminuição de gastos com saúde, afinal, menos pessoas ficam doentes por causa de agrotóxicos e água poluída.

O problema é que esse é um exemplo de um processo imediato e trabalhoso e hoje ninguém quer ter trabalho, só lucro. Alternativas para o campo exigem comprometimentos de larga escala cujo lucro alto não virá de uma hora para outra. Se vir, talvez seja mediano.

A manutenção da lógica atual, com o código de Santa Catarina, não é uma adaptação à realidade dos Estados, mas aos interesses privados que estão corroendo a democracia e impedindo alternativas inteligentes e saudáveis.