Depois de apresentar uma proposta para substituir os vestibulares tradicionais das universidades federais por um modelo unificado, o Ministério da Educação (MEC) entregou um projeto de reforma do currículo do ensino médio. A ideia é flexibilizar a organização da grade, permitir que o aluno possa escolher algumas das disciplinas, além de aumentar a carga horária e incluir atividades práticas na rotina escolar.
A pesquisadora e especialista em ensino médio, Ana Paula Corti, avalia que a ideia é interessante, mas não é nova. Segundo Ana Paula, a reforma curricular de 1998 já organizava o currículo em grandes áreas do conhecimento e previa algumas das medidas propostas pelo MEC. Mas o modelo não vingou porque não havia previsão de operacionalização.
“Uma reforma curricular não se faz só com uma carta de princípios pedagógicos, mas pensando na operacionalização disso, ou seja, como esses princípios se traduzem em uma organização escolar diferente da que temos hoje”, disse.
Na opinião da educadora, a atual proposta do MEC traz “linhas muito interessantes”, mas também não contempla ainda as questões práticas. Como o ensino médio é responsabilidade das redes estaduais de ensino, e não do ministério, ela defende que é necessário pensar nas condições que precisam ser dadas aos estados.
“Desde a década de 90 há a intenção de promover essa diversificação, mas isso não occorreu porque as condições práticas não foram dadas. Qualquer reforma que não pense nessa dimensão da realidade das redes escolares, não funciona. É preciso pensar em uma reforma real, para escolas reais que estão envolvidas em redes públicas reais”, afirmou.
Ela aponta que é preciso alterar a própria organização do sistema, desde a formação dos professores nas universidades até a contratação pela secretaria de educação. “Por exemplo: em tese, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) prevê a diversificação curricular, a escola poderia dar aula de teatro. Mas as escolas não tem professor de teatro, nem concurso público. Aí ela atribui aulas de português”, explicou.
Para o professor da Universidade de Brasília (UnB), Remi Castione, as propostas apresentadas pelo MEC são importantes porque colocam o ensino médio no foco das atenções. “Essas mudanças tendem a mudar o enfoque do ensino médio que nos últimos anos perdeu matrículas e tornou-se uma etapa desinteressante”, disse.
Ele avalia que o atual modelo, voltado à preparação dos alunos para vestibular, traz prejuízos à formação do jovem. “É uma discussão muito pobre no campo da educação. Por que o jovem vai aprender o que são as mitocôndrias? Aquilo tem muito pouco efeito prático na vida dele”, afirmou.
Castione avalia que o acordo entre o ministério e os estados deve partir primeiro da discussão do modelo de ensino médio que o país quer construir. Ele acredita que o papel indutor dessas mudanças deve ser do ministério. Mas para dar condições aos estados para mudar o cenário atual, Ana Paula aponta para a necessidade de incrementar o orçamento.
“O esforço do MEC terá de ser enorme, a pactuação com os estados precisam ser muito bem articulada. É preciso pensar no apoio técnico e também no financeiro condizente com uma porposta dessa envergadura”, disse.
Ela avalia ainda que os jovens devem ser convocados para participar da construção do novo modelo. “Você só constrói uma escola de qualidade se você consegue entender quais são os interesses que esse sujeitos estão vivendo. Qual educação interessa para ele? ”, afirmou.