A Associated Press lançou ao YouTube um trecho do discurso proferido pelo presidente Barack Obama, durante o último encontro da Organização dos Países Americanos. O moderado presidente dos Estados Unidos foi capaz de desagradar a todos. Os críticos internos, como Eugene Robinson (Orlando Sentinel) e John Rash (Star Tribune, Minesota), sentem-se desconfortáveis por seu país já não ser tão temido. Os críticos externos insistem em apontar a permanência da orientação hegemonista.
Obama garantiu que busca parcerias igualitárias com as nações Americanas – “[…] we seek an equal partnership”. Porém, ao exemplo de um geômetra que procedesse prova por redução ao absurdo, ele não afirmou a inexistência da polaridade no continente, mas negou sua existência. Usando-se os termos lingüísticos de Dücrot, isto ativou o pressuposto de que tal desigualdade de fato existe: “There is no senior partner and junior partner in our relations[…]”. Em seguida conclui a estrofe retórica informando que a parceria é baseada no respeito mútuo, no desenvolvimento econômico – “There is simple engagement based on mutual respect, income interests […]” – e nos valores compartilhados – “[…] and shared values”.
Respeito mútuo e desenvolvimento econômico são fundamentos razoavelmente inequívocos. Mas é pela vagueza dos valores compartilhados que a intimidada águia mostra as garras. A inferência semântica nos leva a duas perguntas em relação aos valores: quais? De quem? Qualquer resposta às duas perguntas não será capaz de amenizar a atmosfera hegelianamente télica que a expressão comporta.
Manter os valores na cartilha política é um gesto que denuncia pensamentos de inspiração totalitária, avessos à diversidade e ao multiculturalismo. Fundamentar a parceria em valores compartilhados implica em limitar a liberdade mental, íntima, intencional dos parceiros. Se os valores compartilhados são emitidos por um e recebidos por outro, então a liberdade deste é tolhida em oposição ao exercício do livre poder daquele. Compartilhar valores em geopolítica é tão absurdo quanto exigir a felicidade, além do dinheiro, na troca resultante da venda de um bem. O vendedor sempre poderá questionar a sinceridade do sorriso do comprador, e decidir, por isso, tomar o produto de volta.