Expansão inconsequente

O nobre leitor deste Boletim certamente deve ter uma vaga lembrança de uma espécie de encarnação do diabo pintado por alguns estudantes chamado REUNI – afinal, era assim que grande parte do movimento estudantil se referia ao projeto de REestruturação das UNIversidades federais do governo. Muito provavelmente, você que lê este parágrafo, em algum momento longínquo de sua vida, deve ter ouvido falar de todas as mazelas do programa: seria a transformação da universidade num escolão, bradavam unsd+ outros alertavam para salas superlotadasd+ ao passo que alguns um pouco mais apocalípticos profetizavam o “fim da universidade pública”. Todas essas profecias só poderão ser julgadas pela História – e, convenhamos, pelo andar da carruagem, é bastante provável que elas sejam verdadeiras. O que é preciso ter em mente, porém, é que esse tal REUNI chegou de vez à UFSC – e você provavelmente já sentiu (ainda que minimamente) as suas consequências. Não se trata mais de falatório: dentro de poucos anos, leitor, pode ter certeza, a universidade pública não será mais a mesma.

Vamos às transformações. É bastante possível que você faça parte de um departamento agraciado com dois ou três concursos públicos para professores. Muito provavelmente, se você der uma passada na sua secretaria verá uma impressora novinha em folha fazendo a alegria de servidores técnico-administrativos. Mas, o leitor esperto também deu uma olhada na lista de calouros, e viu que grande parte dos cursos teve um ligeiro acréscimo em suas nominatas (das 500 e tantas vagas adicionais, 164 foram criadas em cursos já existentes). Se você é antenado e lê jornais já deve estar sabendo que a UFSC tem novos campi: Joinville, Curitibanos e Araranguá serão novas casas da Universidade Federal de Santa Catarina. As tradicionais filas do RU parecem ter ganho alguns metros a mais, a fila do xerox tem tomado muito do nosso tempo, e os já disputados puffs da biblioteca central estão cada vez mais concorridos. Mas isso não é tudo: os muito polêmicos cursos estilo Universidade Nova[1] também estão por vir à UFSC: Ciências Rurais e Engenharia da Mobilidade estão em vias de implementação. Pra finalizar, o projeto do REUNI pra nossa universidade prevê um aumento de 37% no número de calouros pro próximo ano. 

Do jeito que a educação é tratada neste País – como mera estatística usada para conquistar apoio em tempos eleitorais – não há como não ficar receoso: todas as preocupações com os rumos do ensino superior são perfeitamente fundamentadas. Ainda mais hoje em dia, com o espectro da crise mundial rondando por aí e o dispositivo do § 2º do art. 3º do decreto do REUNI, onde se condiciona o repasse de verbas “à capacidade orçamentária do Ministério da Educação”. É bom não esquecer: o ano começou para a União com um corte orçamentário da ordem de 25 bilhões de reais. Num quadro desses, não fica difícil imaginar algo próximo do caos. 

Com o aumento de alunos em cursos já existentes, e o necessário deslocamento de professores para outros departamentos(ou outros campi) por conta de novos cursos, ficará cada vez mais difícil para coordenadores de curso garantir disciplinas para todos. Se muitos estudantes já não conseguem cursar uma disciplina por falta de vagas, hoje, a situação só tende a piorar no futuro. O que a universidade fará com relação a esses estudantes sem vagas em turmas?

Não poderia deixar de falar da Biblioteca Universitária. Se, antes, já era bastante comum não encontrar nossos livros necessários para o estudo cotidiano – seja por locação, ou ausência no acervo – como ficará dentro de alguns anos? Será que os escaninhos para mochilas darão conta da demanda de estudantes e pesquisadores que buscam um lugar para estudo (na UFSC, ao contrário de outras universidades, é bastante difícil encontrar um lugar adequado ao estudo). Se existem cursos que já encontram dificuldades em encontrar salas de aula, como daremos conta das salas para laboratórios e grupos de estudos – todos absolutamente essenciais para a construção de uma universidade efetivamente de qualidade?

O REUNI na UFSC é um tema muito extenso: ainda há a questão do terreno de Joinville – onde bem menos da metade é verdadeiramente habitáveld+ o atraso na viabilização dos campi no interior do estadod+ as transformações do papel dos diplomas frente a cursos fast-food estilo universidade nova(exames ao molde da OAB disseminados em várias áreas)d+ e, como se não fosse o suficiente, ainda há a questão crucial da garantia de permanência de todo esse povo novo na universidade – com as cotas, é evidente que a procura por assistência estudantil aumentará. De que forma daremos conta da demanda?

Tudo isso é agravado pelo fato de que as informações concernentes à implementação do projeto do REUNI continuam restritas. É muito difícil ao cidadão comum ser informado adequadamente, de sorte que parece não haver uma política institucional de transparência no projeto de nossa universidade. O próprio sítio na internet, anunciado pelo Reitor Álvaro Prata, em sessão do Conselho Universitário do dia 28 de outubro de 2008, sequer entrou no ar. Se a UFSC passa por um processo de profunda transformação, será que não seria nada mais do que razoável tornar acessíveis à comunidade universitária tais projetos?

Por último, mas não menos importante, uma última ressalva deve ser feita: discutir este tema desta forma, nestes termos, – e neste ponto eu tenho que admitir – é um tanto quanto mesquinho. Não se pode avaliar o REUNI meramente através da capacidade das universidades em assimilar novos estudantes: se a necessidade de ampliação das públicas é imensa, maior ainda é o desamparo de grande parte dos brasileiros, afetados pela pobreza e desigualdade. É este o ponto ao qual o governo fecha os olhos. As universidades, além de correrem sérios riscos por conta das transformações a toque de caixa, continuam encasteladas em suas torres de marfim. Ou, como faz o cristo redentor: “De frente pro mar, de costas pra favela”.

Versão do texto publicado no Canudo, o jornal do DCE.

[1] Bacharelados Interdisciplinares. Cursos de formação estilo fast-food: rápidos para conseguir, mas de constituição duvidosa