Em seus primeiros dias como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama ordenou o fechamento do centro de detenção de Guantánamo num prazo de um ano. Logo em seguida, declarou que seu país continuará apoiando o “direito de Israel de se defender de ameaças legítimas”.
Na avaliação do do economista Nildo Ouriques, professor do departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as primeiras medidas do mandatário estadunidense indicam que ele não irá promover grandes mudanças em sua gestão, tanto internamente quanto externamente. “Sobre o Obama não há nada ainda, só o beneficio da ilusão”, afirma Ouriques, em entrevista ao Brasil de Fato.
A respeito das declarações do presidente sobre Israel, o economista diz: “Israel tem 300 bombas atômicas, recebe mais de cerca de um bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. Então, acreditar que a história começa com os foguetes do Hamas a Israel é esquecer que o Hamas chegou ao poder por uma eleição limpa, ganhou e foi bloqueado por Israel, pelas Nações Unidas e pelos Estados Unidos”.
Poderia fazer uma avaliação sobre as declarações dos primeiros dias do novo presidente dos Estados Unidos, como a promessa de fechamento de Guantánamo?
Sobre o Obama não há nada ainda, só o beneficio da ilusão. Ele não fechou Guantánamo. O que ele fez foi suspender por 120 dias os tribunais de Guantánamo. Em segundo lugar, ele não tem que fechar as prisões de Guantánamo, tem que devolver Guantánamo para os cubanos. Isso é fundamental, mas não está em seus planos. Então, agora há o benefício da ilusão, o afro, o negro na presidência dos Estados Unidos, o adeus ao Bush…
Mas a mídia é totalmente favorável a ele, é o Jesus Cristo que chegou na Terra. Mas medidas, nenhuma. As medidas concretas foram, para a América Latina, a continuidade do subsecretário para a América Latina, que é do partido Republicano. Ele manteve o do Bush. Em segundo lugar, no mundo das finanças ele colocou, em postos-chave da economia, todo mundo do “big business”, do mundo das finanças. Então, o que fez o Obama até agora foi muito negativo, não teve mudança.
Ele assinou uma ordem executiva para o fechamento de Guantánamo…
A ordem é para suspensão dos juízos e a possibilidade de, dentro de um ano, fechar Guantánamo. O que tem de imediato da ordem presidencial é a suspensão dos juízos do centro de detenção, que não está sob jurisdição estadunidense. Provavelmente o que ele vai fazer é transferir os prisioneiros para os Estados Unidos e dar um juízo dentro da lei estadunidense, porque em Guantánamo as leis são de exceção.
Ainda na quinta-feira (22), comentando a ofensiva de Israel contra os palestinos em Gaza, Obama afirmou que os israelenses têm o direito de se defender contra os foguetes do Hamas. Como avalia essa declaração?
Israel tem 300 bombas atômicas, recebe mais de cerca de um bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. Então, acreditar que a história começa com os foguetes do Hamas a Israel é esquecer que o Hamas chegou ao poder por uma eleição limpa, ganhou e foi bloqueado por Israel, pelas Nações Unidas e pelos Estados Unidos. Essa história de começar a crônica com os foguetes do Hamas é ocultar o essencial da história. Basta ler o livro do [Robert] Fisk sobre o Líbano ou a “Grande Guerra pela Civilização”. A primeira coisa é a vitória do Hamas em uma eleição democrática, que foi boicotada pelos Estados Unidos e por Israel. Israel tem o direito de se defender, e os palestinos têm o direito à pátria, que é anterior e, mais ainda, à sua terra. Estamos iguais – aliás, a desigualdade segue.
Qual a expectativa para o governo Obama em termos de política externa? E em relação à Gaza?
Não são os Estados Unidos, é o Estado. Não é o Obama, é governo do Estado. Tem que ser leninista, o pessoal esquece Lênin. Tem Estado e tem governo, e o Estado é o bloco do poder. E, sobre tudo que o Obama está fazendo até agora, não tem nenhuma medida destinada a equilibrar as forças no Oriente Médio, que implica no seguinte: o Irã tem direito à bomba atômica, não somente o Paquistão e Israeld+ Israel tem que ser desarmado, e os territórios ocupados têm que ser todos desocupados, se é para falar sério. Não tem medida nenhuma até agora.
E a promessa de retirada de tropas do Iraque?
Promessas têm, mas, com governo, eu não dou o menor valor para promessas. O Obama era promessa até ontem. Desde ontem, ele tem a caneta. E eu, como analista, tenho que analisar o que ele faz, e não o que ele diz que vai fazer. E ele não fez nada até agora. Aliás, a mídia fez muito mais por ele do que ele próprio.
No sentido de propaganda?
É claro. A mídia é um modelo de propaganda, não tem nada a ver com jornalismo. O jornalismo é uma coisa que não existe, existe é um modelo de propaganda.
Como viu então a cobertura da imprensa brasileira?
Foi vergonhosa. A cobertura da imprensa brasileira foi um lobby pró-Obama e pró-judaico. Foi ridículo, as vozes críticas dos Estados Unidos não apareceram.
Ainda sobre sua política externa, acredita que ele manterá o embargo a Cuba?
Não tem nada sobre isso, nem uma declaração, nada na campanha, absolutamente nada. Só um jogo duro contra a Venezuela, contra tudo que eles consideram que é ameaça.
Obama, inclusive, afirmou em uma de suas declarações que Chávez tem sido um entrave para o desenvolvimento da América Latina…
Como o Chávez vai ser um entrave? Entrave são os Estados Unidos. Eu considero que o Obama é um entrave para o desenvolvimento dos Estados Unidos. Estamos iguais. Ele considera que o Chávez é um entrave para o desenvolvimento da América Latina, e eu considero que o Obama é um entrave para o desenvolvimento dos Estados Unidos e do mundo. Pronto. Qual o valor da afirmação do Obama e da minha? Nenhuma. É propaganda, é um presidente dos Estados Unidos fazendo propaganda. Quem autorizou os Estados Unidos a julgar o Chávez? Nos Estados Unidos, o habeas corpus está suspenso, prisões extra-judiciais, intervenção no correio eletrônico, tortura… O que tu achas de tortura reconhecida pelo Estado? O que tu queres mais? Invasão no Iraque, invasão no Afeganistão. Como é que nós levamos a sério considerações do Estado mais terrorista do mundo, os Estados Unidos? Como eles vêm falar para nós que alguém é entrave, Evo [Morales], Rafael [Correa], qualquer um? Nem o Uribe.
Há perspectivas de haver um diálogo maior com lideranças da América Latina?
Aí eu estou com o Fidel e com o Raul, que disseram: “Tomara que ele tenha”. Tudo que a gente quer é que os Estados Unidos abandonem o terrorismo de Estado e comecem a dialogar. Eu gostaria que o Obama começasse um diálogo porque, desde que os Estados Unidos se afirmaram como potência, eles usam o porrete. Eu gostaria que fosse diferente, mas eu não me iludo. Eu acho que não existe essa possibilidade.
E qual é sua avaliação em relação à composição do governo de Obama?
É um governo ultra conservador, e essa é a transição mais conservadora da história dos Estados Unidos. Eu não recordo de outro presidente, democrata ou republicano, que manteve em postos-chave figuras do outro partido. Porque a vitalidade do sistema estadunidense é: quando os republicanos entram, saem todos os democratas. Quando os democratas entram, saem todos os republicanos. Agora, o que a gente está vendo é ele conservando um monte de gente. Por isso eu digo que é a transição mais conservadora dentro dos Estados Unidos.
E quanto à política interna, como deve ser sua postura diante da crise? Quais devem ser suas principais medidas?
É uma crise tremenda. Imagine, 44 milhões de estadunidenses sem plano de saúde, 2,16 milhões de presidiários, mais 4 milhões com mandato judicial, são seis milhões. A economia destruída, o desemprego em alta, a tarefa interna é gigantesca. Mas ele fortaleceu os monopólios, mais um pacote de 400 bilhões agora para os monopólios, sem garantia de que as empresas vão garantir os empregos. Os monopólios enquadraram ele.
Uma das promessas foi o acesso universal à saúde..
Não esqueça de que o Bill Clinton, quando assumiu, junto com a Hillary – que é especialista em sistemas de saúde -, por um ano e meio ela também propagandeou tudo, e depois foi enquadrada nos monopólios privados do sistema de saúde. Tomara que o Obama mude, mas eu não vi mudança nenhuma até agora.
Para o senhor, então, a figura do Obama até agora não representa mudança?
Nenhuma. Eu vou esperar daqui a três meses e nós vamos ver. Se ele mudar para melhor, eu vou ficar muito feliz, vou reconhecer e saudar. Mas até agora nada, e o que eu vejo é muito ruim.
Matéria publicada em 20 de fevereiro de 2009