Os trabalhadores e outros manifestantes que se reuniram em massa para protestar contra a cúpula do Grupo dos 20 na semana retrasada em Londres estavam dando continuidade a uma antiga tradição europeia de levar suas queixas para as ruas.
Duas semanas antes, mais de 1 milhão de trabalhadores na França se manifestaram contra as demissões e a condução da crise econômica pelo governo, e só no mês passado trabalhadores franceses tomaram seus patrões como reféns quatro vezes em várias disputas trabalhistas.
Quando a General Motors anunciou recentemente um enorme corte de empregos em todo o mundo, 15 mil trabalhadores fizeram uma manifestação na sede alemã da companhia.
Mas nos Estados Unidos, onde a GM pretende fazer as maiores demissões, os trabalhadores sindicalizados pareceram passivos. Eles podem gritar para repórteres de televisão, mas isso é tudo. Diferentemente de seus congêneres europeus, os trabalhadores americanos permaneceram em grande medida fora das ruas mesmo com os aumentos do desemprego e os cortes de salários e benefícios.
O país de Mother Jones, John L. Lewis e Walter Reuther certamente teve uma história rica e algumas vezes militante de protestos trabalhistas – da greve da Homestead Steel Works contra Andrew Carnegie em 1892 às greves com ocupação de fábrica dos trabalhadores automotivos dos anos 30 e a paralisação de 67 dias de 400 mil trabalhadores da GM em 1970.
Nas últimas décadas, porém, os trabalhadores americanos se afastaram cada vez mais dessa militância por razões que variam do medo de seus empregos serem transferidos para o exterior à sua autoimagem como membros plenos da classe média, com todos seus adornos e aspirações.
David Kennedy, um historiador da Universidade Stanford e autor de Freedom From Fear: The American people in Depression and War, 1929-1945 (Libertação do medo: o povo americano na Depressão e na guerra, 1929-1945), diz que o viés individualista dos Estados Unidos é uma razão importante para sua relutância em ganhar as ruas.
Citando um estudo de 1940 da psicóloga social Mirra Komarovsky, ele disse que as entrevistas dela com desempregados do período da Depressão revelaram que “a reação psicológica era eles se sentirem culpados e envergonhados, que tinham fracassado pessoalmente”. Tomados em conjunto, culpa, vergonha e individualismo solapavam todo impulso a uma ação coletiva, tanto naquela época como agora, disse Kennedy.
Notando que os americanos sentiam-se atônitos e desesperadamente inseguros durante os primeiros anos da Depressão, ele escreveu: “O que chocou a maioria dos observadores, e os mistificou, foi a docilidade assombrosa do povo americano, sua passividade estoica enquanto o rolo compressor da Depressão passava sobre eles”.
Em meados dos anos 30, porém, os protestos de trabalhadores aumentaram em número e militância. Eles eram alimentados pelos então poderosos Partidos Socialista e Comunista e as frustrações com as privações contínuas. Os trabalhadores também sentiam que tinham as bênçãos do presidente Roosevelt para a ação coletiva porque ele havia assinado a Lei Wagner, em 1935, que concedia aos trabalhadores o direito de se sindicalizarem.
“É preciso lembrar que naquela época havia Hoovervilles e um desemprego de 25%”, disse Daniel Bell, um professor emérito de sociologia em Harvard. “Muitas pessoas achavam que o capitalismo estava acabado.” Greves gerais paralisaram San Francisco e Minneapolis, e uma greve com ocupação de seis semanas na fábrica da GM em Flint, Michigan, pressionou a companhia a reconhecer o United Automobile Workers. Na manifestação mais violenta da década, uma greve em 1937 contra a Republic Steel em Chicago, 10 manifestantes foram mortos a tiro. Essa militância ajudou a construir um poderoso movimento sindical, que representava 35% dos trabalhadores da nação na década de 50 e ajudou a criar a maior e mais rica classe média do mundo.
Hoje, os trabalhadores americanos, mesmo os que ganham US$ 20 mil por ano, tendem a se ver como parte da classe média ascendente. Por contraste, os trabalhadores europeus ainda se veem como proletários numa luta de classes prolongada.
E os lideres trabalhistas americanos, que um dia foram agitadores de massa nas ruas, agora trabalham frequentemente de mãos dadas com executivos de empresas para melhorar a competitividade corporativa para proteger empregos e pensões, e tentam afastar ativistas que defendem uma linha dura.
“Ocorre uma diminuição geral da liderança sindical que estava focada em defender trabalhadores por quaisquer meios que fossem necessários”, disse Jerry Tucker, um velho militante do UAW. “A mensagem da liderança sindical hoje em dia é, muitas vezes, “não temos outra escolha, temos de seguir essa estrada de concessões para ver se podemos controlar os danos”, disse ele.
No caso das empresas automobilísticas de Detroit, uma greve poderia não só acelerar sua demissão como enfurecer muitos americanos que já consideram os trabalhadores automotivos mais bem remunerados do que deveriam. Isso também poderia deixar Washington menos receptivo a um salvamento.
A agressividade trabalhista também tem sido solapada pela redução de seus contingentes. Os sindicatos representam hoje somente 7,4% dos trabalhadores no setor privado.
Os sindicatos também foram ficando mais cautelosos à medida que a administração se tornava mais agressiva. Um ponto crítico ocorreu em 1981, quando os controladores de tráfego aéreo do país se engajaram numa greve ilegal. O presidente Ronald Reagan rapidamente demitiu os 11.500 controladores grevistas, contratou substitutos e pouco depois os aeroportos estavam operando de novo. Após esse confronto, a disposição sindical para a greve encolheu sensivelmente.
Os trabalhadores americanos ainda expressam ocasionalmente sua raiva em protestos e greves. Houve manifestações contra os bônus da AIG, por exemplo, e trabalhadores realizaram uma greve com ocupação em dezembro quando sua fábrica em Chicago foi fechada. Mas os números contam a história: no ano passado, sindicatos americanos se envolveram em 159 paralisações do trabalho, ante 1.352 em 1981, segundo o Bureau of National Affairs, uma editora de notícias jurídicas e regulatórias.
Michael Kazin, um historiador da Universidade de Georgetown, disse que, apesar de as manifestações continuarem sendo uma saída vital para a esquerda europeia, para americanos “a internet de alguma maneira serve agora como principal saída” com blogs raivosos e envios de e-mails em massa.
Trabalhadores e sindicatos de esquerda que poderiam ser os mais inclinados a protestos na crise econômica corrente são com frequência os mais entusiasmados com o presidente Obama e seus esforços para reativar a economia, ajudar sindicatos e promulgar uma cobertura de saúde universal. Em vez de saírem às ruas no ano passado para protestar contra a crise econômica em formação na presidência de Bush, muitos trabalhadores e sindicatos faziam campanha para Obama.
Leo Gerard, presidente do United Steelworkers, um sindicato de trabalhadores siderúrgicos, disse que havia coisas mais inteligentes a fazer do que manifestações contra as demissões – por exemplo, pressionar o Congresso e os Estados para assegurar que o plano de estímulo crie o maior número de empregos possível nos Estados Unidos.
“Eu realmente acredito que os americanos confiam mais em seu sistema político que trabalhadores de outras partes do mundo”, disse Gerard.
Ele disse que grandes manifestações trabalhistas são frequentemente autorizadas no Canadá e em países europeus para pressionar líderes parlamentares. As manifestações são menos necessárias nos Estados Unidos, segundo ele, porque com frequência basta algum esforço de lobby especializado em Washington para arregimentar o apoio de meia dúzia de senadores.
Kennedy viu outra razão para os trabalhadores jovens e os jovens em geral estarem protestando menos que em décadas passadas. “Esta geração”, disse ele, “encontrou maneiras mais eficazes de mudar o mundo. Ela se engajou em campanhas políticas, e não está esperando as coisas ficarem tão desesperadas para se sentir forçada a ganhar as ruas.”
O autor é articulista do The New York Times