Durante a reunião ordinária de janeiro passado, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) realizou um debate aprofundado a respeito dos 20 anos de existência do Sistema Único de Saúde (SUS) e constatou o seu impacto altamente positivo e transformador na melhoria da qualidade de vida do brasileiro no período, sendo efetivamente a política pública mais democrática e inclusiva. Reconhecemos, no entanto, que acumulamos derrotas contundentes numa disputa desigual e contra-hegemônica e que determina o atual momento como um divisor de águas. Neste sentido, ou enfrentamos e resolvemos os graves gargalos estruturantes, ou teremos o SUS definitivamente inviabilizado num curto espaço de tempo.
Vale alguns eixos que nesse debate têm relação direta com a proposta de fundações de direito privado, proposta que já foi debatida amplamente e rechaçada no CNS, em conferências estaduais e na última Conferência Nacional de Saúde.
Reproduzindo a cultura histórica de privatização do Estado brasileiro, o SUS tem sido explorado como moeda política e colocado a serviço de grupos e corporações organizadas que o utilizam para atendimento das suas demandas particularizadas.
Com uma força de trabalho composta por trabalhadores sem estabilidade no emprego, com uma relação de trabalho precarizada e diferenças gritantes e abissais de remuneração, a imensa maioria dos municípios brasileiros enfrenta dificuldades incomensuráveis para estruturar seu quadro de profissionais.
Diante de um quadro dos mais graves como esse, o governo federal (com alguns estaduais) aponta como solução milagrosa para resolvê-los, uma proposta que apesar de ser apresentada como um “novo paradigma” para a gestão pública é apenas e tão somente a reprodução do que tínhamos em todos os Estados da Federação até a aprovação da Constituição Federal de 1988 com péssimos resultados para o serviço público: as fundações de direito privado.
Nos impressiona a coragem dos que as defendem, quando analisamos a história das fundações passadas e as que ainda resistem no Brasil, com todo um arcabouço degenerado em “cabides de emprego”, mesmo com concursos públicos, a utilização político/partidária, ineficiência e corrupção, conforme amplamente denunciado pelos órgãos de imprensa.
Enquanto percebemos a necessidade de profissionalizar a gestão do SUS com os próprios quadros que dispõe, promovendo a autonomia administrativa e financeira de acordo com o parágrafo 8º do inciso 21 do Art. 37 da Constituição Federal, combatendo o patrimonialismo e criando as condições para uma gestão comprometida e eficiente, surge da cartola de alguns ilusionistas a proposta de recriação de fundações como um requentado e experimentado instrumento de apoderamento aperfeiçoado do que é público por grupos organizados que vivem às custas do Estado brasileiro. Ou alguém imagina que desta vez vai ser diferente de tudo que tivemos e ainda temos até hoje?
Quando percebemos a necessidade imediata de criarmos uma carreira do SUS com responsabilidade tripartite, corrigindo distorções salariais que existem, valorizando a qualificação, interiorização e a dedicação exclusiva, vem outra vez a requentada fundação com a finalidade de “pagar salários de mercado” (leia-se: institucionalizar as distorções salariais que existem, privilegiando apenas alguns profissionais de acordo com a lógica de mercado), acabando definitivamente com a estabilidade do trabalhador, vital numa área como a saúde, ampliando as diferenças salariais que desrespeitam, desmotivam e dividem os trabalhadores e inviabilizando inexoravelmente a perspectiva da Carreira do SUS.
O mais grave de tudo isso é que esse golpe, para nós, mortal no SUS, além de ser inconstitucional, tem como defensores alguns atores identificados com a reforma sanitária, trás de forma clara a exclusão da participação popular de caráter deliberativo, o que para nós atinge os princípios do SUS, e se configura em retrocesso nas relações com os movimentos sociais e o controle social.
Por tudo isso é que o CNS já se posicionou de forma contrária à proposta de fundações e vai realizar debates nacionalmente para garantir o resgate dos princípios do SUS e a plena implementação da maior política pública do povo brasileiro.
Dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social da CUT e presidente do Conselho Nacional de Saúde