Um grupo de garçons jogando bola de madrugada no Aterro do Flamengo, no Rio, despertou no empresário Hélio Athia Jr. a ideia de criar horários alternativos em cursos universitários, para atrair quem sai muito tarde do trabalho -ou não tem tempo de dia.
“Eu estava insone, no quarto do hotel, quando vi aqueles rapazes disputando uma pelada. Desci, conversei com eles e concluí que, se tinham disposição para jogar bola, poderiam estar estudando”, diz Athia Jr., que é pró-reitor do centro universitário UniÍtalo, em Santo Amaro (zona sul de SP).
Isso foi no fim de 2007. Em agosto do ano passado, o UniÍtalo inaugurou no horário das 5h45 às 8h30 uma turma de administração de empresas. Em janeiro deste ano, criou uma segunda opção de horário, das 23h à 1h45, abriu mais quatro turmas e acrescentou cursos de tecnologia de recursos humanos e pedagogia.
Agora, são 180 alunos. A carga horária é a mesma dos cursos diurnos, porém, redistribuída. A conclusão do curso se dá em 22 semanas, com aulas de três horas, e não em 17 semanas, com aulas de quatro horas.
Autorização do MEC – Diferentemente das faculdades, que precisam de autorização do MEC para a criação de cursos superiores, os centros universitários têm autonomia para isso -assim como as universidades, que, contudo, devem obrigatoriamente oferecer um volume expressivo de pesquisa e cursos de extensão.
O diretor da área de negócios do UniÍtalo, professor Wanilson Benevenuto, diz que, apesar da autonomia, os cursos são submetidos à avaliação do MEC (Ministério da Educação) em um período de quatro anos. Segundo Benevenuto, convocar professores para dar aulas em horários tão pouco convencionais não foi difícil, já que a maioria é diretor de área e está envolvida desde o início com o projeto. O próprio Benevenuto dá aula em administração.
Metade do preço – Para facilitar a divulgação da iniciativa e atrair outros entusiastas, as mensalidades são mais em conta do que as dos horários convencionais.
O aluno do curso de RH Charles Lucas Farias, 22, conta que foi atraído pela oportunidade de pagar 50% da mensalidade do horário que frequentava anteriormente, o das 19h. “De R$ 384, passei a pagar R$ 192”, diz ele, no intervalo da aula de fundamentos da gestão de marketing, à meia noite.
Athia Jr. diz que ainda não é possível avaliar se o rendimento das turmas “notívagas” é igual. Mas o professor de contabilidade Djalma de Carvalho teoriza: “É mais fácil o aluno ter sono na aula das 14h, depois do almoço, do que na das 23h.”
“Venho pilhada do trabalho, não sinto o menor sono. Quando chego em casa, às 2h, ainda demoro pra dormir”, diz Tatiana Arruda, 22 anos, aluna do curso de administração.
A Folha assistiu à aula de Carvalho e observou que a turma parecia muito animada.
Aplicação na padaria – Uma das explicações para o comprometimento dos alunos pode estar na disposição extra de quem escolhe um horário não convencional. “Eles vêm mais focados”, diz Benevenuto.
O padeiro Júlio Pereira, 29, que trabalha das 7h às 22h, já tentou cursar administração à tarde, horário de pouco movimento na panificadora da família, mas teve de trancar.
“Pensei que poderia deixar alguém no meu lugar, mas não deu. Trabalho de domingo a domingo e não tenho condição de me ausentar”, explica Pereira, que quer aperfeiçoar os conhecimentos de administração.
Do lado de fora do prédio, não há o menor resquício da efervescência que se espera de um campus -frequentado, de dia, por 8.000 alunos.
Em relação ao acesso, há pontos negativos e positivos. O aluno Charles Lucas diz que, como não há transporte público, ele caminha uma hora até chegar em casa. Mas há vantagens. O professor Fábio Souza diz que, às 5h, é possível vir de Pirituba (zona norte), onde mora, até a avenida João Dias, em 20 minutos -tempo quatro vezes menor se fosse às 17h45.