Sem rodeios, o governo abriu ontem caminhos para oficializar aquilo que nos gabinetes da Esplanada dos Ministérios já é dado como certo. Diante da retração econômica provocada pela crise internacional, os reajustes autorizados no ano passado ao funcionalismo não sairão do papel. A não ser que o ambiente de negócios, o emprego, a arrecadação de impostos e a produção reajam de modo convincente. Caso o cenário permaneça como está — ou piore ainda mais —, os aumentos prometidos aos servidores do Executivo federal terão de ser postergados.
Pressionado pelos sindicatos, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, convocou ontem uma reunião de emergência com algumas das entidades mais representativas. Durante o encontro, Bernardo explicou que houve uma mudança radical do quadro econômico e que por essa razão o governo não terá outra alternativa a não ser fazer “muita restrição orçamentária” — entre hoje e amanhã o governo anunciará os cortes no Orçamento e a previsão de receitas e despesas para o ano. “Para movimentar a economia abrimos mão de receitas e fizemos desonerações orçamentárias importantes”, reforçou aos sindicalistas.
Do lado das despesas, reforçou Paulo Bernardo, há uma série de compromissos que, a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não sofrerão cortes, entre eles destacou as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os investimentos na área de educação e os programas sociais. Embora não tenha garantido de forma explícita nem se comprometido com o pagamento dos reajustes aos servidores, Paulo Bernardo tentou tranqüilizar o funcionalismo: “Vamos manter os compromissos com os servidores”, disse aos dirigentes dos sindicatos.
Oficialmente, o adiamento não é confirmado, mas o presidente Lula já prepara o terreno para o governo dar a má notícia.
Depois de se reunir com alguns de seus principais conselheiros no Palácio do Planalto — entre eles os ministros Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo e Dilma Rousseff (Casa Civil) —, Lula disse, no Rio de Janeiro, que a intenção é respeitar o calendário acertado com as entidades sindicais e pagar, de forma escalonada até 2010, os reajustes aprovados por meio de leis enviadas ao Congresso e que envolvem cerca de 1,8 milhão de servidores entre ativos, inativos, pensionistas civis e militares.
Lula, no entanto, advertiu que há condições para que isso aconteça. “Temos um acordo, a minha ideia é cumprir esse acordo. Só não cumprirei o acordo se houver anormalidade”, justificou. Segundo ele, junho é a data fatal para tomar uma decisão definitiva sobre o assunto — em julho a grande parte das categorias beneficiadas têm parcelas do aumento a receber.
“Com muita paciência, tenho toda a vontade de cumprir o acordo, porque como vim do movimento sindical, sei o quanto é bom a gente cumprir as palavras, cumprir os acordos que a gente tem e que a gente faz com os funcionários públicos, que a gente faz com os empresários, que a gente faz com os trabalhadores. Então, a minha ideia é cumprir. Deus queira que volte à normalidade logo, para que a gente não tenha que mexer em nada”, reforçou.
Divergências – Dentro do governo a manutenção do gasto extra com a folha de pessoal — só neste ano os reajustes custarão R$ 28,4 bilhões — divide opiniões. A área econômica defende a reprogramação imediata dos acordos com base no artifício legal aprovado na Câmara e no Senado que atrela o comportamento das receitas ao pagamento das parcelas restantes. Já a ministra Dilma Rousseff, preferida por Lula para concorrer à sucessão de 2010, e o próprio presidente desaprovam a medida por acreditarem que o adiamento traria desgastes políticos irreparáveis.
Clima é de insatisfação e apreensão
Apesar dos sinais contraditórios e de o governo não ter batido o martelo em relação a nenhuma das possibilidades que discute internamente, os sindicalistas deixaram a reunião com o ministro Paulo Bernardo otimistas. O Correio consultou seis das 15 representações sindicais que participaram do encontro e o sentimento desse grupo foi de “alívio”. “Sentimos que há disposição em cumprir os acordos. Vamos esperar para ver o que acontece, mas acredito que pelo menos a parcela de julho está assegurada”, disse um sindicalista. “O governo expôs seus motivos e nós, os nossos. Agora é esperar”, completou outro representante dos servidores.
As categorias que têm maior peso político e representam as carreiras típicas de Estado tiveram impressões positivas do encontro. A postura assumida pelo governo, de acordo com a avaliação da maioria dessas entidades, foi de cautela. “Eles não têm como garantir nada, mas também não vão anunciar uma notícia ruim sem saber ao certo se ela vai se concretizar”, completou um servidor que esteve na reunião no Ministério do Planejamento.
De forma tímida, algumas entidades informaram ao ministro Paulo Bernardo que o clima de apreensão e insatisfação é grande nas bases e que por isso uma série de greves poderão pipocar ao longo dos próximos meses, caso os reajustes sejam adiados. A maioria delas, porém, reconheceu a dificuldade de organizar os servidores. Outras admitiram que o enfrentamento passaria para a sociedade a imagem de que o funcionalismo ignora a crise e age única e exclusivamente motivado pelo ganho salarial.
Em uma semana marcada por protestos na Esplanada dos Ministérios, categorias que desempenham funções medianas dentro da máquina pública pretendem discutir propostas de mobilizações como forma de ter “cartas na manga” contra o governo. A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que tem entre seus filiados a maior parte das entidades que representam a base do Executivo federal, prepara uma plenária nacional para debater que saídas serão adotadas se crise econômica prejudicar o calendário de pagamentos dos reajustes assinados com o Ministério do Planejamento em 2008.