Terça-feira, 17 de março, 14h. O dia e a hora do reencontro de Timothy Mulholland com a comunidade da Universidade de Brasília (UnB). Aos 59 anos, o ex-reitor estará na condição de professor. Atividade que não exerce há 20 anos. Ele volta à maior instituição de ensino superior do Centro-Oeste 11 meses após renunciar ao cargo máximo, em meio a uma série de denúncias de mau uso de dinheiro público. Escândalos iniciados com a divulgação do valor da decoração do apartamento funcional ocupado por ele e pela mulher. Móveis e enfeites custaram R$ 470 mil. Dinheiro público que deveria ser destinado à pesquisa científica, segundo o Ministério Público.
O ex-reitor retorna à UnB para dar aulas no Instituto de Psicologia. Esse semestre, ele lecionará duas disciplinas na graduação (pesquisa em processos cognitivos I e II) e uma na pós-graduação (complementação de cognição e neurociências). Se não voltasse à universidade agora, o ex-reitor perderia o cargo e o salário de professor associado, que vale entre R$ 7.757,49 e R$ 8.297,16 mensais. Alunos e professores dizem já ter visto Timothy pelos corredores do instituto. “Ele já está trabalhando. Ontem mesmo estava saindo daqui no fim da tarde e o vi passando. Ainda tentei cumprimentá-lo, mas não consegui”, contou uma professora que pediu para não ter o nome publicado. Ontem, porém, ele não esteve na universidade.
Na tarde de quarta-feira, Timothy passou pela instituição para arrumar a sala A1-060, que já tem uma placa com o nome dele na porta. Durante o semestre, ele ocupará um espaço nada luxuoso no mezanino no Instituto Central de Ciências. A sala tem cerca de 15 metros quadrados e o cenário é bem diferente da luxuosa cobertura onde o ex-reitor vivia na 310 Norte. O local está pronto para recebê-lo. Em um canto, há um computador preto. No outro, um ventilador. Prateleiras cheias de livro ocupam duas paredes. Há um quadro pintado em preto e branco encostado em cima de uma das prateleiras e um porta-retrato com uma foto de família entre os livros.
Timothy Mulholland nasceu nos Estados Unidos, mas chegou ao Brasil aos dois anos. Doutor em Psicologia pela Universidade de Pittsburgh, ele iniciou a carreira como professor da UnB em 1976, mas ficou na sala de aula por apenas nove anos. Em 1985, assumiu a diretoria da Editora UnB e, desde então, teve cargos administrativos na universidade. Entre 1993 e 1997, foi chefe de gabinete do então reitor João Cláudio Todorov e vice-reitor nos dois mandatos do professor Lauro Morhy, entre 1998 e 2005. Timothy venceu as eleições para reitor com 57,11% dos votos, assumiu o cargo em novembro de 2005 e ficou dois anos e cinco meses na reitoria.
Desaparecido desde abril – O ex-reitor se afastou da universidade em 11 de abril de 2008 com um pedido de licença médica não remunerada, com duração de 60 dias. Três dias após o afastamento, renunciou ao cargo. A licença venceu em 2 de junho e Timothy não foi mais visto pelos corredores da UnB. Os professores não batem ponto, mas assinam uma folha onde atestam que cumprem a carga horária. Nos relatórios do Instituto de Psicologia, constava o nome do ex-reitor. Segundo os registros, ele esteve na universidade entre 3 de junho e 10 de agosto, quando saiu em nova licença, desta vez remunerada. A época do retorno de Timothy coincide com as férias na instituição e, por isso, ele não foi visto pelos alunos. O advogado do ex-reitor, Aldo de Campos Costa, afirmou, na época, que seu cliente estava em Brasília e que saiu de licença para tratar de assuntos pessoais. Ontem, Campos não foi localizado.
Algozes – Na volta à UnB, Timothy terá de encarar alguns dos seus algozes, como os estudantes que invadiram o gabinete dele, em 3 de abril do ano passado, e lá permaneceram por 15 dias. Os universitários só saíram após o reitor deixar o cargo e a paridade — mesmo peso no voto para toda a comunidade acadêmica — ser aprovada na eleição para o sucessor de Timothy. “Ele vai encontrar uma universidade diferente da que deixou. A UnB melhorou muito, as relações de poder estão mais democráticas”, afirma o estudante de ciência política, Rafael Holanda, 21 anos, que passou os 15 dias acampado na reitoria. Na opinião dele, Timothy deveria mesmo voltar a dar aula. “Ele está recebendo para isso. Só acho que vai ser bem complicado porque sei que ele não se envolve com atividades acadêmicas há muito tempo.”
Os alunos de psicologia estão divididos. Alguns são contra a volta. “Quando o vi na sala ontem (quarta-feira), fiquei revoltada. Acho que ele deveria se aposentar. Tenho vergonha de ser aluna de psicologia, acho que vai ser o maior rebuliço”, diz Ana Luiza Siqueira, 22 anos, matriculada no 7º semestre. Mas também há quem acredite que é preciso separar a carreira de Timothy como reitor e a de professor. “Acho que o que aconteceu na reitoria não vai impedir que ele seja um bom professor. Reitor é uma coisa, professor é outra”, afirma Brenda Ferreira, 20 anos, aluna do 6º semestre.
Entenda o caso – Timothy Mulholland renunciou ao cargo de reitor em abril do ano passado, depois que estudantes da UnB passaram 15 dias acampados no prédio da reitoria. O ex-reitor responde na Justiça a três processos, dois criminais e uma ação de improbidade administrativa. Todas as ações estão em curso, não há decisão em nenhuma delas. Se condenado, o ex-reitor pode perder o cargo de professor.
O Ministério Público do DF (MPDF) começou a investigar os gastos da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Finatec) em agosto de 2007. A Finatec liberou R$ 470 mil para decoração do imóvel funcional ocupado por Timothy quando ele era reitor, uma cobertura na 310 Norte. Entre os itens de luxo comprados para enfeitar o apartamento estava uma lixeira de quase R$ 1 mil — que se tornou o símbolo da crise.
O MPDF e o Ministério Público Federal entraram na Justiça denunciando os desvios de objetivo da fundação e pedindo o afastamento dos cinco diretores. Em 15 de fevereiro do ano passado, a Justiça afastou os diretores até a sentença judicial definitiva. A ação de improbidade administrativa corre na 21ª Vara da Justiça Federal. Na ação, o MPF e o MPDF pedem o ressarcimento de todos os gastos aos cofres públicos, a perda de direitos políticos por cinco anos, a proibição de fazer contratos com o poder público, além do pagamento de indenização.
Timothy também é acusado de desviar dinheiro recolhido de uma suposta taxa administrativa do convênio Funasa-UnB para o pagamento de viagens a Taiwan, Japão e Coreia (que não tinham relação com a saúde indígena), compra de canetas Mont Blanc, organização de jantares e eventos, decoração natalina, hospedagens em hotéis em São Paulo e Belo Horizonte, entre outros. Em junho do ano passado, o MPF denunciou o ex-reitor à Justiça, por formação de quadrilha e peculato. Também foram citados o ex-diretor da Editora UnB Alexandre Lima e dois ex-funcionários da editora, Elenilde Duarte e Cláudio Machado. O processo corre na 12ª Vara da Justiça Federal no DF. A pena para os crimes varia de três a 15 anos de prisão.
O Ministério Público ainda acusa Timothy de contratar, com licitação fraudulenta, as empresas MI Management Sociedade de Profissionais, LMR Softwares e Consultoria Empresarial e Coopers Instituto Profissional de Consultores Associados para a prestação de serviços de consultoria nunca realizados. Uma nova denúncia foi apresentada, em setembro do ano passado, contra Timothy, Alexandre Lima, dois funcionários da Editora UnB e os donos das empresas contratadas. Desta vez, o crime foi de peculato — que tem pena de dois a 12 anos de prisão, além de multa.
Uma última acusação está sendo investigada pelo MPF: a contratação irregular de 53 prestadores de serviços com salários entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil e o pagamento de viagens rotineiras e não justificadas desses funcionários para Barra do Garças (MT). O crime ainda não foi denunciado à Justiça.