Recentemente, embora ainda não me tenha chegado notificação oficial, fiquei sabendo que, em companhia do prof. Henrique Finco, sou réu em um processo por danos morais movido pelo pró-reitor de Desenvolvimento Humano e Social, o sr. Luiz Henrique Vieira Silva.
A razão do processo são dois artigos de opinião consecutivamente publicados no Boletim da Apufsc em meados do ano passado. O primeiro, de autoria do professor Finco, traz severas críticas à atuação pública do sr. Luiz Henrique. O segundo, de minha lavra, retoma e endossa os argumentos do professor Finco, tirando-lhes algumas conseqüências adicionais. O pró-reitor, por seu turno, sentiu-se particularmente ofendido com o fato de que, em ambos os textos, é chamado de “garoto de recados da AGU no episódio da URP”.
Vale a pena ler a peça que justifica a solicitação de abertura do processo contra mim e o professor Finco. Trata-se de documento capaz de revelar as vísceras da visão de administração universitária dos que hoje comandam a UFSC.
O texto em questão apóia-se em duas premissas, a saber: (1) a de que o corte da URP se deu porque já não havia nem se poderia obter amparo legal para a manutenção dos pagamentosd+ (2) a de que, ao longo de todos os anos em que a manutenção, a incorporação e a extensão da rubrica estiveram em disputa, ao pró-reitor não coube nem caberia outra coisa que não fosse cumprir as determinações de órgãos superiores.
Ora, a primeira premissa está em evidente contradição com tudo quanto a diretoria da Apufsc, aconselhada pelo escritório de advogados que a assiste, tem dito até agora sobre o tema.
Bem mais inquietante é, contudo, a segunda premissa. Salvo engano, é ela uma involuntária confissão de culpa. O pró-reitor, com desconcertante franqueza, está a admitir que jamais moveu uma palha a propósito de lutar pela incorporação da URP, por sua extensão aos desurpados ou mesmo pela manutenção dos pagamentos nos momentos em que estavam sob ameaça. Pior: ele está a admitir que julga ser da natureza de seu cargo permanecer nesse lugar de passividade e inação.
O sr. Luiz Henrique Vieira assumidamente não deu um passo além do círculo de giz de sua impotência nem mesmo para escrever um mísero artigo em defesa da URP em algum jornal de grande circulação, como se mesmo essa discretíssima defesa dos recursos humanos que lhe cabe administrar fosse um pecado indesculpável. De acordo com seu próprio relato, limitou-se a receber e escrever ofícios com vistas a mais bem executar o que lhe mandavam fazer. (Cf. pp. 2-6)
Ao sr. Luiz Henrique, em todo caso, foi dada uma última chance de mostrar qualidades superiores. Quando recebeu ordens de cortar definitivamente a URP, poderia, sem dúvida, recusar a tarefa. Não o fez. Por quê? A razão é simples, e ele a declara sem nenhuma timidez: “Agindo assim, o Autor incorreria, na mais amena das hipóteses, em ato de improbidade administrativa”. (p.9) Em suma, em vez de sofrer com os professores (e mesmo no lugar deles, que é, creio eu, o que cabe a um pró-reitor), ele optou por permanecer bem longe de qualquer sanção possível.
Ainda assim, o Sr. Luiz Henrique acha injusta e difamatória a expressão “garoto de recados”. Como ele prefere ser chamado? Mais uma vez, o documento que aqui analiso o esclarece: “mero gestor de recursos humanos da UFSC”. (p.5)
Caros colegas, estamos no ponto em que o que está em jogo não é só a URP mas algo bem mais precioso: o princípio de autonomia universitária, do qual a coragem, a capacidade de luta e o poder de iniciativa de um pró-reitor têm que ser a encarnação mais plena.
Não sei quanto a vocês, mas eu estou farto desses senhores que se refugiam atrás de uma suposta competência tecnocrática, que não têm opinião sobre nada, que se condenam a uma irrelevância talvez possível em tempos de normalidade, mas insustentável no âmbito da universidade brasileira, instituição premida, por um lado, por forças permanentemente prontas a destruí-la e, por outro, pela tarefa de conduzir o ainda incipiente processo civilizatório brasileiro.
Estou farto desses administradores universitários que, no laboratório secreto de seus gabinetes, fabricam artificialmente a sua própria impotência, a fim de poder brandi-la nos momentos em que deles se exige que corram algum risco.
Estou farto desses administradores universitários que, em vez de se lançar ao debate no espaço sagrado da própria universidade, preferem desvalorizá-lo, reduzindo as polêmicas a uma querela entre advogados (e o seu resultado ao pagamento, pelos réus, de 50 salários mínimos…)
Estou farto desses administradores universitários que vivem a repetir que estão apenas cumprindo ordens e que, mesmo quando processam alguém, não assumem inteiramente a responsabilidade por seus atos, preferindo dizer que “não lhe[s] resta outra alternativa senão a de buscar no Judiciário uma reparação”. (p.2)
Que não me entendam mal: não escrevo tudo isso para colocar a pessoa do sr. Luiz Henrique em xeque. Acho que ele não está à altura do cargo, mas não é esse o verdadeiro problema. O único tópico realmente relevante consiste em saber se o reitor e o resto de sua equipe estão à altura de seus cargos, o que, neste momento, significa decidir entre endossar ou não a atuação pública do sr. Luiz Henrique. Para mim, a questão é cristalina: ou bem ele é demitido, ou bem se está a tomar a sua visão de universidade como a visão oficial da reitoria.