SBPC e Academia de Ciências dizem que verba para pesquisa perde agilidade sem as entidades de apoio a universidades
Marco Antonio Raupp critica ensino de criacionismo em escolas e Jacob Palis Jr. reclama de dificuldade para importação de material
Não se pode punir toda uma comunidade por causa de um erro cometido por apenas parte dela, afirma o matemático Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Segundo ele, os desvios públicos investigados nos últimos meses em fundações de universidades federais não significam que essas entidades sejam um mal em si.
Em entrevista à Folha, Raupp, também ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), reclama de maneira geral contra o excesso de burocracia. Segundo ele, essa é a principal causa para o programa espacial do país, por exemplo, estar atrasado. Também atira contra a moda do ensino de criacionismo a crianças em aulas de ciências. “É uma aberração”, diz.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida pelo cientista na sede da SBPC, em São Paulo. Raupp estava acompanhado de outro matemático, Jacob Palis, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), sediada no Rio. Ambos afirmam (veja texto à direita) que as ações feitas em 2008 pelo governo, tanto com o objetivo de acelerar a importação de materiais de pesquisa, quanto em facilitar o acesso à biodiversidade nacional, não mudaram a situação dos cientistas, que continua difícil.
FOLHA – Como o senhor avalia o acórdão do TCU que vê abuso das fundações ligadas a universidades e determina restrições para a atuação dessas instituições?
MARCO ANTONIO RAUPP – [Esse acórdão] vai “rigidificar” toda a operação, quando estamos lutando para flexibilizar, com responsabilidade, com legalidade. Não estou defendendo que não sejam prestadas contas do dinheiro público, nada disso. O que é preciso começar a avaliar é o desempenho dessas instituições pelos resultados, e não pelos procedimentos intermediários, como é hoje. Você fiscaliza o dirigente pelos procedimentos. Há uma pergunta pelo resultado que obteve? Não. Nesse relacionamento público-privado deve-se avaliar pelos resultados.
FOLHA – Mas daí a comunidade científica não sairia chamuscada se não obtivesse resultados?
RAUPP – Aqueles que conseguirem resultados serão até prestigiados, vai ter gente e instituições que não vão ter resultados, é possível. E o procedimento é para isso mesmo, ver quem tem eficiência e quem não tem.
FOLHA – Reitores acusados de usar dinheiro público de forma errada, como o da Universidade de Brasília, não têm culpa da decisão do TCU?
RAUPP – Claro. Mas eles deviam ser punidos. Quando um engenheiro pratica um crime, você vai punir toda a comunidade dos engenheiros?
FOLHA – Por que as parcerias público-privada não dão certo na ciência?
RAUPP – O Inpe precisa contratar 200 engenheiros para desenvolver um programa de satélites. Não pode contratar porque não pode abrir concurso. Então, poderíamos contratar via CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], mas não pode. Poderíamos usar uma fundação, mas agora chega o TCU e não permite. Eu tentei fazer uma OS [organização social] para administrar o parque tecnológico de São José dos Campos, que é por definição uma parceria público-privada, e foi questionada. Está parado na Justiça.
FOLHA – A Lei de Inovação já não deveria ter dado melhores resultados práticos?
RAUPP – Essas são atividades novas, e a estrutura legal do país é antiga. A Lei de Inovação entra em choque. Ela tinha de ser compatível com toda a estrutura legal, mas a gente sabe que não é. Para que serve a lei? Para estimular a parceria público-privada. Porque as instituições de pesquisa são públicas e as empresas são privadas. A Lei do Bem, por exemplo, autoriza passar recursos a fundo perdido para as empresas privadas. Mas, na prática, na hora de executar essa legislação, começam os problemas.
FOLHA – O sr. acha que lei precisa ser alterada, então?
RAUPP – A lei é boa, tem que praticá-la, e está sendo praticada a duras penas, com sacrifício. Por exemplo, se o dirigente público se arriscar demais, ele acaba arriscando o seu próprio pescoço. Alguns reitores, hoje, estão com esse problema.
FOLHA – Como vê o fato de algumas escolas particulares aqui de São Paulo, como Mackenzie e Pueri Domus, ensinarem criacionismo em aulas de ciência?
RAUPP – Não tenho nada contra qualquer visão religiosa com criacionismo. Só tenho contra que o criacionismo seja ensinado na aula de ciência. Deveria ser ensinado somente em aula de religião. Você ensinaria Darwin numa aula de religião? A aberração é a mesma.