“Não se envergonhe de perguntar, camarada!”, foi assim, com um pensamento de Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta alemão, que Marcelo Carvalho e outros, motivaram seu artigo no Boletim 654. A conotação histórica de “camarada”, marca registrada de tratamento dos comunistas, levou-me a ler este artigo com bastante atenção e, posteriormente, prestar maior atenção ao debate intenso, um “tiroteio cerrado” político-ideológico entre colegas de Apufsc. Como da luta justa resultará a glória e da discussão honesta resultará a luz, estou certo de que haverá benefícios para todos. Que a Palavra de Cristo, reproduzida em Mateus 7,1-5, seja um divisor para os argumentos usados, amém.
Embora eu tenha assistido, sempre que possível, à propaganda obrigatória na TV, infelizmente perdi a participação do Professor Armando, Presidente da Apufsc, impedindo-me de formar melhor juízo a respeito. Neste sentido lembro-me, também, que na última eleição presidencial houve um grupo de Reitores que foram a Brasília e, segundo a mídia, manifestar apoio à reeleição do Presidente Lula. A legislação facilita ao funcionário público participar na atividade política. Há formas legais para fazê-lo, basta enquadrar-se adequadamente. Não considero correto usar a visibilidade do exercício de um mandato para objetivos pessoais diversos.
Pelas discussões e trocas de acusações feitas nos artigos (Rizzo, Philippi e Carvalho) cheguei à conclusão de que estamos dentro de muitas nuvens e pouco sol. O assunto é vasto, é panela para muitas colheres e me candidato a fazer algumas observações sobre o artigo do Professor Rizzo, sem a intenção de intrometer-me em seu debate com os outros colegas, como se isto fosse possível. Observo que a sua afirmação “Os apoiadores do Professor Armando, certamente não em sua totalidade, de alguma forma, o autorizam a agir movido pelo que lhe dá na cabeça”, pelo uso do artigo definido, mesmo concedendo exceções (não da maioria, porque isto deveria ser expresso), peca pela acusação gratuita. As decisões das assembléias de que eu participei, não deixaram transparecer isto. Intervenções pessoais nas assembléias, embora várias, não representam o coletivo antes da aprovação da questão. Tampouco os artigos citados não permitem afirmações de intenções, além da de seus autores. Um ditado latino diz “Gratis firmatus, gratis negatus”.
Quando li a afirmação “Ora, é claro que dá para acreditar que o objetivo da Conlutas seja o de “organizar a luta contra as reformas neoliberais do governo Lula””, fiquei com uma sensação estranha, sensação de que algo importante tinha passado ante meus olhos e eu não havia percebido. De fato não me recordo de ter-me manifestado sobre a filiação do Andes à Conlutas. Nem sequer sei se a chance de eu fazê-lo foi perdida devido às múltiplas razões de minha vida pessoal de professor aposentado, não morando nas vizinhanças da UFSC. Solicito, por isso, que a direção da Apufsc esclareça os seus associados, da necessidade, da importância e conveniência de estarmos ligados direta (ou indiretamente) à Conlutas. Estivemos antes filiados à CUT e os benefícios, a meu ver, não foram satisfatórios, tanto assim que houve a desfiliação. A associação à conlutas é opção ou falta de opção? O que se espera agora diferente da época em que estivemos ligados à CUT?
Para descargo de consciência dei uma vista no Estatuto da Conlutas, na Internet, e o que vi não me agradou. No capítulo II, Dos Objetivos da Conlutas, item c, lê-sed+ “Lutar em defesa dos interesses históricos da classe trabalhadora, tendo como meta o fim de toda exploração e opressão, sempre na perspectiva de uma sociedade socialista, governada pelos próprios trabalhadores (grifos do texto são meus).” E no capítulo III, artigo 5º, Dos Princípios basilares da Conlutas, o parágrafo I trata da Independência política, financeira e administrativa em relação… , à burguesia classicamente considerada…”. A Conlutas, por seu estatuto, não pode receber recursos governamentais, ou seja, recursos do imposto sindical, por exemplo.
Quem abraça a entidade, abraça o seu estatuto. A idéia de governar a sociedade pelos próprios trabalhadores, idéia até ventilada por uma das candidatas à Prefeitura de Florianópolis (projeto de uma oclocracia ou de uma Macondo, cidade imaginada por Garcia Marquez, onde as coisas acontecem com muito atraso), foi a maior dor de cabeça de Lênin. A experiência que ele fez no exército vermelho foi exemplar. Os oficiais czaristas foram logo lembrados… Quanto à burguesia. O que é a burguesia? A que se refere a expressão “burguesia classicamente considerada? Em 1917, na revolução russa era um rótulo atribuível, segundo a conveniência, a qualquer um “não-povo”(os membros do partido bolchevique eram, por definição todos “povo”). Assim um nobre, um comerciante, um professor, um advogado, um padre podia ser rotulado de burguês. Lênin era advogado (um burguês que só trabalhou na sua profissão por dois anos! Mas era povo por definição). O que eu vou pensar hoje? Quem é burguês? Eu sou professor, vão dar-me o rótulo de burguês? Rotular não é minha especialidade.
A associação do Andes à Conlutas equivale a um requentar da História. É triste que a intelectualidade universitária ainda esteja amarrada ideologicamente no século 19 e início do século 20. Isto ajuda a explicar o fato de um aluno da UFSC ter afirmado que não participaria da formatura porque isto é coisa de burguês. Isto ajuda a explicar o viés político dos professores do ensino básico, recentemente demonstrado na Revista Veja. Para fins de posicionamento, repito aqui a premissa de um estudo, relatado por Daniel Bensaid, no livro “Os Irredutíveis”, sobre ideologia, política e luta de classes. Diz o autor: “Partimos de uma constatação: o esgotamento do debate estratégico na esquerda em geral e na esquerda radical em particular. A social democracia aliada a um liberalismo moderado produzia apenas banalidades apologéticas. Os partidos comunistas formados (ou deformados) no cadinho stalinista foram reduzidos à esterilidade teórica e condenados a uma agonia lenta. Corria-se, então, o risco de se contentar com o fato de se ter salvo a honra da esquerda ao se permanecer fiel a valores abandonados por essas correntes históricas, o risco de se instituir guardiões conservadores de um templo deserto e o de se submeter à agenda ideológica ditada pelos dominadores.”
Para finalizar, um pensamento de Platão “Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”.