O objetivo central deste artigo é retomar a discussão da URP a partir de duas idéias básicas: por um lado, apresentar os números oficiais relacionados ao tema, realçando informações sobre o quadro atual de professores da UFSC e, por outro, discutir alguns aspectos deste processo que repercutiram e ainda repercutem sobre toda a categoria de professores da referida universidade.
Isto se justifica também por duas razões básicas: em todas as manifestações oficiais do atual presidente da Apufsc aparecem números distintos em relação a esse assunto2. Esta miscelânea de número deve-se a uma única razão: o sindicato não possui as informações oficiais, conforme pude comprovar ao solicitar as mesmas recentemente3.
A outra razão é de natureza qualitativa, uma vez que poucas foram as análises sobre o problema a partir de uma visão de classe trabalhadora, o que supõe alguns princípios básicos que tratarei mais adiante. Ao contrário, ao longo dos dois últimos anos, principalmente, divulgaram-se muitas informações com uso excessivo de palavras técnicas voltadas, quase que exclusivamente, ao campo jurídico onde a luta se concentrou.
Assim, as informações recebidas sobre os impactos do corte da URP através de artigos em boletins e notas em redes eletrônicas normalmente utilizaram os seguintes argumentos:
– Mais de 1.800 professores sofreram seqüestro de 26,05% de seus saláriosd+
– O corte da URP ameaça a vida de 10.000 pessoas vinculadas à UFSCd+
– O corte de 26,05% coloca em risco a própria UFSCd+
– O corte da URP coloca em risco a democraciad+
– O corte dos salários coloca em risco a universidade, a ciência e a tecnologiad+
– A única chance da extensão da URP para todos é manter, primeiramente, o recebimento da URP por parte dos que já a recebiam4.
Esta linha de argumentação apresenta sérias limitações políticas quando se trata de uma categoria profissional que cumpre as mesmas funções técnicas e está amparada em uma legislação federal única. Em função disso, um conjunto de questões pode ser tornar perfeitamente plausível quando parte importante dessa mesma categoria encontra-se prejudicada monetariamente, devido às distintas interpretações de mecanismos burocráticos legais. Dentre essas questões, destacam-se:
a) Será que os 56% dos professores da ativa, que não recebem mensalmente 26% nos seus salários, também não têm suas vidas e de suas famílias ameaçadas?
b) Será que esses 56% de trabalhadores ativos da categoria não foram duplamente penalizados: por um lado pelo arrocho salarial imposto ao funcionalismo público nas duas últimas décadas e, por outro, pelo não recebimento dos tais 26%?
c) Será que estes professores não importam à UFSC? Afinal o risco “de ela desaparecer” depende dos colegas urpados, segundo argumentos dos próprios.
d) Será que os desurpados não deram e ainda dão contribuições relevantes para o desenvolvimento científico e tecnológico do estado e do país?
e) Será que os desurpados são cidadãos de segundo classe? Afinal, a democracia corre risco, segundo argumentos dos urpados, pelo fato dos mesmos perderem 26% de seus salários.
Estas e diversas outras questões, de alguma maneira, tergiversaram praticamente todos os fóruns de debates ao longo dos últimos anos. Porém, elas foram sufocadas pela tática sindical adotada, ou seja, “primeiro precisamos voltar ao que era no passado (1990 a Janeiro de 2008) para depois buscarmos uma solução para a injustiça gerada por esta mesma tática adotada”.
PROFESSORES DA UFSC EM NÚMEROS E O CASO URP
No mês de Janeiro de 2008, último mês em que a URP foi paga, o quadro de professores da UFSC estava constituído da seguinte maneira:
Número total de docentes da UFSC: 2.857.
Deste total de docentes: 1.080 eram aposentados e 1.777 estavam na ativa. Isso dava uma proporção de 38% (aposentados) versus 62% (na ativa).
Do total de professores aposentados: 970 eram do terceiro grau (90%) e 156 eram do primeiro e segundo graus (10%).
Do total de Professores na ativa: 1.621 estavam lotados no terceiro grau (92%), enquanto 156 estavam lotados no primeiro e segundo graus (8%).
Do total de professores na Ativa: 998 não recebiam a URP (56%), enquanto 779 a recebiam (44%).
Isto significa que, se considerarmos somente os profissionais que estão na ativa atualmente, a grande maioria não recebia o benefício salarial, embora desempenhe as mesmas funções técnicas e acadêmicas5.
Se agregarmos aos professores da ativa que recebiam a URP os aposentados, este percentual passará para 65% do total.
ALGUMAS IMPLICAÇÕES DESTE PROCESSO SOBRE O CONJUNTO DOS PROFESSORES
Na seqüência, procura-se destacar alguns aspectos sobre a “questão URP”, os quais transcendem em muito o quesito meramente “salarial”. Na verdade, esses pontos nos remetem a uma introspecção sobre o próprio “ser” desta categoria profissional, que possui uma função social nobre a desempenhar.
Em primeiro aspecto do embate da URP recoloca uma questão de natureza eminentemente política para o conjunto da categoria. Isto porque, ao se ferir um Princípio Constitucional Básico (Isonomia Salarial), materializa-se uma injustiça. E esta materialidade ganha corpo no exercício idêntico de atribuições profissionais, porém com remunerações distintas. Este foi, salvo melhor juízo, o erro político cometido, especialmente pela última diretoria do sindicato, ao conduzir todo o debate quase que exclusivamente no campo jurídico, não percebendo que esta é uma luta muito mais política do que jurídica6.
O segundo aspecto, não desconectado do anterior, localiza-se no campo ético, pois é imperioso que um sindicato que represente os interesses de uma única categoria deva lutar pelos direitos de todos os seus membros e não apenas de uma parcela deles. No caso específico da URP, mesmo reconhecendo-se algumas iniciativas adotadas pelas diretorias neste campo7, é nítido que ao longo de todos esses anos o direito dos desurpados não foi priorizado da mesma maneira como o foi o direito dos urpados.
O terceiro aspecto está relacionado ao tema da solidariedade entre os trabalhadores de uma mesma categoria profissional. Aqui talvez se encontre o grande nó da questão, pois o que mais se ouviu nesses 15 anos de URP foram acusações entre as partes envolvidas e pouca construção de uma alternativa solidária. E isto é responsabilidade de todos os integrantes da categoria. Solidariedade se constrói com gestos e atitudes, os quais estão cada vez mais escassos nos tempos atuais dominados pelo individualismo.
Há, ainda, manifestações isoladas (felizmente) de um egoísmo doentio, o qual pressupõe que a culpa de existir essa discrepância salarial entre os professores decorre daquele grupo que ingressou na Universidade após 1990, quando as regras do jogo já estavam definidas. Se os defensores desta tese tivessem ingressado na UFSC após 1990 talvez até pudessem repensar essa postura anti-solidária e pouco saudável.
Portanto, colegas, é inegável a existência de uma profunda divisão no seio de nossa categoria profissional, a qual foi potencializada pela injustiça criada pela URP. Por isso, o debate que precisamos enfrentar é bem mais sério e profundo do que a dicotomia simplista do Bem contra o Mal, que parece ter sido o fio condutor das discussões ocorridas ultimamente sobre o tema.
Notas
1 Artigo escrito com base em informações disponibilizadas pelo Gabinete do Reitor. Gostaria de externar meus agradecimentos ao Prof. José Carlos Cunha Petrus que gentilmente atendeu minha solicitação.
2 No boletim 582 fala-se em 1.800 professores afetados pelo corte da URP. Já no Boletim 632 o presidente fala em cerca de 2.000 professores e em nota eletrônica de 12.04.2008 fala-se em 1.883 professores.
3 Em duas oportunidades (2007 e 2008) solicitei oficialmente ao presidente do sindicato essas informações. Mas minhas solicitações nunca foram atendidas e só recentemente eu descobri as razões do não atendimento das mesmas.
4 Além destas manifestações do presidente, diversos colegas de vários centros e departamentos se posicionaram na mesma direção e com praticamente os mesmos argumentos. Vide boletins do sindicato, especialmente os relativos aos anos de 2007 e 2008.
5 Esta é a questão central do caso URP, pois o Princípio da Isonomia Salarial previsto na Constituição Federal está sendo desrespeitado há muito tempo.
6 Por exemplo, quando o Reitor da UFRJ estendeu a URP para todos os professores daquela universidade, ele tomou uma decisão essencialmente política e não jurídica. O contrário me parece que foi feito na UFSC.
7 Por exemplo, a campanha de 2005 da “URP para Todos”, cujo resultado mais visível foi um adesivo que mantenho até hoje colado na porta da sala onde trabalho.