No penúltimo sábado (6/9) foi criado um sindicato nacional de docentes das Ifes na sede da CUT em São Paulo. No final desta semana (19, 20 e 21/9), em Brasília, será realizado o III Congresso Extraordinário do Andes que tem, como pauta principal, o problema da suspensão do seu registro pelo Ministério do Trabalho e as conseqüentes medidas políticas e organizativas para buscar restabelecê-lo. Estou entre os delegados da Apufsc que participarão deste congresso. Está também em sua pauta a homologação das mudanças no regimento da Apufsc, que conta com o parecer favorável da Secretaria Geral do Andes. O processo que culminou na aprovação de alterações no regimento da Apufsc foi um debate em torno da reorganização sindical em nível local. Estes acontecimentos todos estão ligados e expressam que está em curso nacionalmente um debate em torno da reorganização sindical dos docentes. Mais que debates, estão ocorrendo ações e mudanças. Quais serão todas as mudanças e como estará pintado o quadro da nossa organização sindical no futuro breve, não podemos adivinhar, mas podemos ter a certeza de que terminaremos este ano com um quadro diferente do que fora no passado e do que uma fotografia, neste exato momento, poderia expressar.
Ora, o que podemos fazer agora é buscarmos entender o processo em curso, manifestar nossos desejos e sermos sujeitos das mudanças, o que implica batalhar pelo que acreditamos que deva ser mudado e pelo que deva ser preservado. Os resultados, evidentemente, não serão produto de supostos consensos e tampouco agradarão a todos. Por exemplo, nas mudanças do regimento da Apufsc ocorreram disputas de posições nos aspectos de maior relevância. Nestas, eu estou entre os perdedores das principais votações que ocorreram. Penso que isto, em si, representa muito pouca coisa. O que tem significado, no meu modo de entender é a questão do título deste artigo, que pode ser assim expressa.
O Movimento Docente surgiu de um processo de intensa participação na virada da década de 70 para a de 80. A Andes foi criada em congresso após a greve de1980, que foi a primeira dos docentes das Ifes. A organização se consolidou e foi transformada em sindicato em 1988. Havia uma identidade forte, não sem contradições, que sempre existiram, dos docentes com a organização sindical. As esferas do individual e do coletivo combinavam-se sem conflitos, pois havia uma unidade grande marcada pelas lutas contra a ditadura, pela democratização e pela autonomia da Universidade. As relações atuais entre o individual e o coletivo já não ocorrem nas mesmas condições que aquelas. Vivemos uma época em que o individualismo virou valor social e que ele, de alguma forma, deve impor-se ao coletivo. Em outras palavras, o espaço coletivo tem sido chamado a se reunir e a definir normas que garantam a supremacia do individual. Isto esteve no fundo dos debates sobre greve no decurso das últimas que foram realizadas e no processo do regimento da Apufsc. Sem poder, nos limites deste artigo, me alongar sobre esta questão, aponto-a como a crucial entre os desafios que se apresentam. Isto é, temos que ter a capacidade de construir o espaço sindical coletivo fundado numa identificação dos indivíduos e grupos que não é mais a mesma do passado. Sem a identificação, não há sentimento de pertencimento a uma esfera coletiva. O resultado pode ser uma multiplicação de sindicatos para gostos diferentes, ou filiados a centrais sindicais diferentes, ou sob o comando de cada partido político, ou, ainda, a inexistência de sindicatos, tal o grau de fragmentação.
O que a CUT promove, no entanto, tem outras motivações que nada tem a ver com este desafio de construção de um espaço de identificação coletiva e, portanto, de unidade entre os docentes. Está em curso no Brasil uma reforma sindical sob o comando do atual governo que passa por, entre outras coisas, pela legalização das centrais sindicais que passaram a ter acesso aos recursos do imposto sindical (a contribuição compulsória, que nossa organização sindical sempre combateu) e a serem os porta-vozes dos trabalhadores nas negociações coletivas com eliminação do poder deliberativo das assembléias de base. A história nos mostrou que o imposto sindical possibilitou a existência de máquinas sindicais que podem dispensar o esforço de promover a sindicalização individual e de promover espaços coletivos de deliberação. Ele tem sido, desde a sua criação por Getúlio Vargas, a espinha dorsal do peleguismo no Brasil. A ação da CUT deve-se não a um espírito autoritário de seus dirigentes, mas às necessidades políticas do governo. São elas que os fazem autoritários e, até mesmo pretensiosos. Um de seus dirigentes declarou à imprensa que o Andes está morto. Ele pode até querer que o Andes morra e se empenhe para tentar matá-lo. Porém, quem vai decidir sobre o que vai ocorrer com a organização sindical dos docentes serão eles próprios e não a direção da CUT, ou de qualquer central. Sinceramente não acredito que os professores queiram um sindicato derivado da CUT, criado de cima para baixo.
O desafio deste III Congresso do Andes não é o de responder à iniciativa da CUT e do Proifes, mas de encontrar caminhos, na sua reorganização, que lhe possibilitem ser o espaço da identidade coletiva neste contexto de fragmentação. As iniciativas, portanto, devem estar na direção de ser sindicato de todos os pensamentos e não de partes. Se este desafio não for cumprido, sua morte pode, de fato, ocorrer.
Considero o Andes democrático, mas de uma forma que não é suficiente em si para ter uma ampla identidade de sua base e, isto é, uma forte legitimidade. As propostas que foram apresentadas para este congresso para afirmar sua legitimidade passam pela reconquista do registro no Ministério do Trabalho, que se pretende obter por meio de abrir mão de representar docentes das instituições particulares, uma vez que foi este o motivo das impugnações. Sou favorável a isso, que é, em si, uma grande mudança na proposta original de sua criação. Trata-se de um recuo para poder avançar. Mas isso está no terreno formal, isto é, da legalidade e não é ela, por si só, que vai garantir, nos docentes, o sentimento de pertencimento. Esta iniciativa, para reaver o registro, explica porque o Proifes, que, até julho deste ano defendia a tese de sindicatos locais, decide, junto com a CUT, pela criação urgente de um sindicato nacional. Correm, na confiança de que, pelo fato de serem governo, possam obter o registro antes que o Andes o faça, o que já aponta que haverão disputas em níveis superestruturais, como na justiça, que é o que chamei de formal.
Penso que uma das iniciativas que o Andes deva tomar é a de instituir a proporcionalidade na composição de sua diretoria. Isto é uma prática comum a muitas entidades sindicais nacionais e jamais adotada pelo Andes sob a argumentação principal de que a diretoria é executiva e não deliberativa. Na diretoria proporcional, cada chapa, a partir de um percentual mínimo de votos, por exemplo, 20%, terá direito de participar com uma quantidade de membros correspondente ao percentual de votos obtidos na eleição. Isto faz pouco sentido em uma seção sindical que pode convocar assembléias e reuniões de conselho de representantes com muita facilidade. Nacionalmente é diferente e uma direção com posições diferenciadas e representativas no seu interior pode ter muito mais reconhecimento. É preciso entender que ela é executiva, mas delibera permanentemente e emite juízos. Ela decide, por exemplo, o que vai conter num relatório que é feito sobre uma audiência com o governo. Ela faz a agenda dos debates.
Enfim, ela dirige o sindicato. Não acho que o que apresento seja a panacéia. O que importa é o sentido que buscamos com as mudanças, que é o da afirmação da alteridade. Ser um sindicato de todos é ser um sindicato em que as diferenças possam se manifestar em todos os níveis.