Entendo que a UFSC, nas diferentes instâncias, não sabe o que fazer quando um portador de necessidades especiais, pela primeira vez, ultrapassa os limites da inclusão que nós, os ditos “normais”, traçamos como possível. Thiago, citado no Boletim da Apufsc de 12 de maio, mais uma vez nos surpreende.
Paralisado cerebral com comprometimentos motores graves e ausência de fala, ele tem alcançado sucesso em seu percurso escolar na rede regular de ensino na Itália, na Escola Básica do Campeche e no Colégio de Aplicação da UFSC onde se formou, em 2004, em tempo normal, no Ensino Médio. Ele vem desde lá cursando disciplinas isoladas do curso de Agronomia na UFSC e prestando vestibular a cada ano na busca do seu credenciamento como aluno regular do curso.
Vinte anos são passados, não só na vida de todos nós, como na vida de Thiago. E o que aprendemos? A UFSC que possibilitou tanto conhecimento não pode tornar Thiago refém e PODE inovar, continuar a reconhecer direitos e descobrir novas modalidades de interação. A Universidade não pode repetir o comportamento que teve a Secretaria Municipal de Educação, naquele tempo. Inclusão sim, porém nos moldes que nós queremos, tidos como possíveis: naquele tempo, tudo era novidade, os estudos estavam no início, aqui em Florianópolis.
Recordo das dificuldades de entendimento entre a professora alfabetizadora da escola municipal do Campeche, os especialistas do corpo técnico concursado da Secretaria, os pais de Thiago e eu, na época Secretária de Educação, que criou o programa indiferenciado de Atendimento às Necessidades Especiais e as Salas de Recursos, na rede pública de ensino. A maior dificuldade era a professora da classe aceitar que as “medidas” de avaliação usadas para a avaliação global da classe, precisariam passar por uma redefinição, quando aplicadas ao Thiago, sem perder o valor avaliatório, isto é, era preciso criar outras medidas de avaliação.
Tinha-se consciência e domínio técnico da grande oportunidade de criação de conhecimentos e da pequena capacidade de resposta, por não se ter tido ainda oportunidade de enfrentar um campo de conteúdos de tal magnitude.
Mesmo assim, o estudante venceu e sua maior vitória expressou-se na continuidade de sua luta – a de seus estudos – foi ser aluno de uma das melhores escolas de Florianópolis, o Colégio de Aplicação da UFSC, seguindo os padrões tradicionais no sentido positivo, mas como escola diferenciada, num esforço conjunto entre escola e família. Mais uma vez, nas suas difíceis vitórias, Thiago, que sabe mais do que nós (podemos estar certos), inaugura um caminho pedagógico inédito nas escolas públicas.Esta experiência nos autoriza a afirmar que a UFSC tem, nos seus quadros, uma equipe que faz a diferença do acontecido nos anos em que a proposta pedagógica teve início, no século passado. Criou e acumulou uma pedagogia especial que ultrapassa a Educação Especial consolidada. A UFSC possibilitou a criação de novos conhecimentos ao estabelecer rituais pedagógicos onde o diferente, por isto mais difícil, é vivenciado, onde questões como o novo (como se comunicar com o diferente?), a paciência entre todos os envolvidos (o tempo de Thiago é MAIS diferente, o erro de linguagem é proposital apenas para salientar que o tempo de cada um de nós É diferente e precisa ser respeitado), a busca de soluções inusitadas (se não existe, é preciso CRIAR) indicam o estabelecimento de novos códigos e novas perspectivas educacionais.
Mas a UFSC precisa continuar aprendendo com esta riqueza de possibilidades e, não pode barrar um intelectual diferente – dimensão avançada e inédita entre nós para um portador de paralisia cerebral – reprovado em Vestibular não diferenciado e por isto, questionável do ponto de vista educacional específico.
Depois de cursar 15 Disciplinas da modalidade “Isoladas”, estamos diante de uma barreira séria: vai ser a UFSC responsável pela parada obrigatória de seus estudos? Ou vai criar novos patamares de inclusão, nunca antes imaginado?
Os tempos escolares mudaram com as vitórias de Thiago: não tenho conhecimento de pesquisa, mas levanto a hipótese de que estamos diante de um fato inédito, na educação de nossos jovens. Precisamos avançar numa perspectiva de manter a qualidade de ensino e utilizar todo o desenvolvimento de conteúdos e da tecnologia de que a UFSC detém, uma das melhores universidades públicas do Brasil, para não sermos responsáveis pelos prejuízos – aí sim, talvez irreversíveis – na vida de uma pessoa tão especial.
Um caminho possível para a UFSC, é se espelhar no caso da primeira advogada com paralisia cerebral que recebeu carteira da OAB recentemete, formada após 5 anos de Faculdade de Direito de São José dos Campos/SP e depois de 3 exames da Ordem dos Advogados do Brasil: Flávia Cristiane Fuga e Silva (matéria de Simone Harnik, do portal de notícias da Globo: http://g1.globo.com/Noticias/0 FLCO-5597-3514558-00.htm)
Um marco na história da advocacia no Brasil, a primeira advogada com paralisia cerebral, que “não tem fala, mas tem um raciocínio muito legal”.
E quem assistiu ao show de Bossa Nova no Teatro da Ubro, no último dia 6 de junho pode, no mínimo, emocionar-se quando ouviu a cantora Julie Phillippe e o pianista Guga Zago agradecerem a presença de Thiago, assistindo o espetáculo, acompanhado de sua família.
Fora da UFSC a vida, com todas as dificuldades que sua situação possa acarretar, segue normalmente, numa harmoniosa integração social. Não é aceitável que Thiago, que quer ser pesquisador em Agronomia, tenha que parar o seu sonho e comprometer seu futuro – possivelmente brilhante – pelo que já venceu até aqui.
A UFSC não pode PARAR este intelectual, neste contato com o mundo exterior, esta vida tão guerreira. Mas a UFSC PODE buscar novos caminhos, por ser uma das melhores universidades públicas do Brasil e, por já estar usufruindo dos benefícios da presença do Thiago entre seus alunos no Colégio de Aplicação e do trabalho inovador de seus pais com os professores da escola.
O que está faltando?