Acaba de sair do prelo da Editora Insular, em Florianópolis, a segunda edição, revista e ampliada, da obra O preço do voto – Os bastidores de uma eleição para reitor, sob a organização do professor Waldir José Rampinelli. A primeira edição, de 2004, já esgotada, teve como objeto a eleição de 2003 para a escolha do reitor da UFSC. A segunda, por sua vez, incorpora artigos que tratam da última eleição, realizada em 2007, também relativa ao âmbito da UFSC. Professores, estudantes, jornalistas e servidores técnico-administrativos que participaram intensamente desses processos eleitorais produziram um expressivo conjunto de escritos com a preocupação de contribuir, cada um a seu modo, para o entendimento do ocorrido. Há na obra indicações de fontes primárias expressivas e, como não poderia deixar de ser, fartas e sérias denúncias. Afinal, o livro expressa o compromisso de seus autores com a necessidade de avançar o debate (e as práticas!) acerca da democratização da universidade, fato que implica defesa intransigente do caráter público (no sentido de popular) e gratuito desta instituição escolar. “A privatização do espaço universitário guarda estreita relação com os processos de corrosão da esfera pública, em especial nas formações sociais dependentes como a brasileira. (…) esta deterioração da esfera pública, estreitamente vinculada ao processo de mercantilização das relações sociais, é incompatível com o debate aberto e a participação efetiva da maioria nos processos decisórios fundamentais” [11].
O livro ora em referência registra/denuncia a ocorrência de fortes embates, não propriamente acadêmicos – como seria de se esperar, em se tratando de uma instituição pública de ensino superior -, durante o período das eleições para a escolha do reitor. “Ao invés de aproveitarmos o processo eleitoral para criar uma inteligibilidade recíproca, de debatermos e valorizarmos as diferenças exercitando a prática republicana, este é vivido como uma suja batalha travada com armas desiguais, onde um lado tem a força do dinheiro e do poder institucional”[12]. A obra torna público, por exemplo, que a Agência de Comunicação da UFSC ficou em silêncio, alheia ao que estava acontecendo no campusd+ que ex-reitores atuaram intensamente como cabos eleitoraisd+ que festas de formandos foram patrocinadas pela chapa da situaçãod+ que amplas cervejadas “chapa branca” rolaram no Bar do Pida (funcionário da UFSC)d+ que o Núcleo de Processamento de Dados foi utilizado a favor da candidatura Prata/Paranád+ que houve ameaças a docentes e técnico-administrativos de perdas de suas funções gratificadas/cargos comissionados, bem como para tantos outros de promessas de acesso a essas mesmas funçõesd+ que houve ameaças a alunos de perdas de suas bolsas de estudosd+ que, dos 11 diretores de centros que constituem a Universidade, 7 arregaçaram as mangas em favor da chapa Prata/Paraná. “Rodolfo [Pinto da Luz, por três vezes reitor da UFSC] partidariza sempre que pode as consultas para reitor na universidade, utilizando-se de toda a pressão externa, retirando a autonomia do campo científico. Consegue mobilizar parte da elite dominante catarinense em torno do empreendimento. A ação costuma envolver desde o governador de plantão, os partidos de direita, parcela considerável da mídia e seus intelectuais orgânicos, bem como parte das empresas que tem negócios com a instituição”[13]. Por falar em empresas que têm negócios com a Universidade, os dois mais recentes Boletins da Apufsc, o 633 e o 634, das duas últimas semanas de abril do corrente, trazem farta e seríssimas denúncias sobre o trabalho das fundações no âmbito da UFSC, notadamente no caso da Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina, FEESC. Manchetes dos Boletins referidos (cuja agudeza dispensa comentários): “Dívida com Previdência ameaça futuro da Feesc”, “Fundações se apropriam de patrimônio público que é a universidade”, “Feesc faturou R$ 444 milhões em seis anos – Caixa da Fundação, no entanto, só dispunha de R$ 4,3 milhões”.
Desde a criação da UFSC, em 1960, todos os reitores (com exceção do reitorado de Diomário de Queiroz e Nilcéa Pelandré, 1992-1996), sufragados ou não pelas urnas, provinham do campo das forças políticas conservadoras e “mantinham com os governos militares uma convivência pacífica ou um apoio entusiasta”[14]. Como vimos explorando neste texto, tudo isso é coerente com nossas raízes históricas, das quais herdamos o que presentemente somos e sofremos, sem trocadilhos, um pobre país rico.
Para concluir este artigo e afirmar, mais uma vez, a importância da leitura e da discussão acerca do livro O preço do voto – Os bastidores de uma eleição para reitor, transcrevo um trecho do posfácio da Segunda Edição, de autoria do professor Rampinelli, organizador da obra: “A hegemonia de dois centros (…) – CTC e CCS – inviabiliza, hoje, a chegada à Reitoria de qualquer candidato que não seja seu ou apoiado por suas forças. Isso deveria ser preocupante para toda a universidade, tendo-se em conta que parte significativa do CTC [Centro Tecnológico] já se deslocou da UFSC, buscando sua razão de ser basicamente no mercadod+ ao passo que muitos integrantes do CCS [Centro de Ciências da Saúde] nem chegaram à universidade, tamanho o número de profissionais com 20 horas de trabalho”.
Resgatar e aprofundar o compromisso público das Universidades Federais, como a UFSC, não é condição fundamental para o avançar da democratização econômico-social do país? Não é tarefa nossa, na condição de “pósteros”, conquistar a emancipação definitiva e real da nação e ampliar o significado dos princípios constitucionais (como bem registrou a historiadora Emília Viotti da Costa, referida no início deste escrito)?
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[11] Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, no Prefácio à Segunda Edição da obra, organizada por Waldir José Rampinelli, O preço do voto – Os bastidores de uma eleição para reitor, Editora Insular, 2008, Florianópolis..
[12] Armando de Melo Lisboa, na Primeira Edição de O preço do voto – Os bastidores de uma eleição para reitor, 2004, p. 136.
[13] Itamar Aguiar, Op. Cit., Segunda Edição.
[14] Pedro Antônio Vieira, Op. Cit., Primeira Edição, p. 42.