O diálogo aberto sobre a missão dos novos dirigentes na Universidade é importante para conseguir um possível consenso sobre pontos fundamentais da construção de uma Universidade aberta ao futuro do país e do mundo.
A missão da Universidade foi definida por Karl Jaspers como a procura da verdade na comunidade de professores e estudantes. Isto, como será visto, não é uma mera e simples declaração de principio, uma definição muito geral e sem nada concreto, mas algo complexo e vital.
A procura da verdade não é um acidente na historia humana, mas um constituinte da espécie humana como humanidade, ela não existe em nenhuma outra espécie animal. O homem é, neste sentido, um animal metafísico. Este é um fator supranacional, universal, uma necessidade vital para o homem. Por motivo desta missão fundamental da Universidade aparece a exigência, para todos os Estados, do respeito pela sua autonomia e liberdade. Desde sua criação na idade média existe uma longa luta entre a Universidade e o poder dos governos por causa desta exigência.
A verdade esta relacionada com a realidade. O que é a realidade? A pergunta compreende nossa realidade concreta, presente, nosso aqui e agora como as realidades últimas que questionam o ser humano. Nossas Universidades fugiram destas realidades que são fundamentais para a vida acadêmica. Não pensamos desde nossa realidade, mas da realidade de outros, especialmente da Europa e dos Estados Unidos. Assim não observamos criticamente modelos para realizar o nosso, considerando nossa realidade cultural, mas copiamos modelos de fora. Nossas estruturas universitárias são, em geral, cópias. Na parte educacional fomos guiados pelas correntes de pensamento da Europa e USA sem procurar elaborar nosso próprio pensamento. Se compreendermos plenamente isto já seria um passo muito positivo.
O problema da verdade é de certa forma simples quando se trata de ciências exatas. Por exemplo, definir qual é a verdade do mecanismo de uma reação química pode ser realizado através de experiências de laboratório e chegar a uma conclusão, ainda que não sempre, clara e evidente. Mas em algumas ciências humanas o problema é mais complexo, qual é a verdade de um sistema econômico? Qual é a verdade de um sistema social? Qual a verdade a respeito do uso do progresso tecnológico? Aqui a resposta não somente se pode fundamentar nas experiências econômicas e sociais realizadas na história, mas em meu entender, fundamentalmente, na orientação para o futuro, no desejo da realização de uma sociedade mais humana, uma sociedade mais fraterna e mais livre, seguindo o sentido da evolução humana e possivelmente da evolução cósmica.
A pergunta imediata é: o que significa uma sociedade mais humana? A biologia nos demonstra que a evolução do ser humano foi caracterizada por duas tendências fundamentais: uma de autonomia e liberdade e outra de socialização. A história humana mostra, desde a organização da vida em grandes cidades, estas duas tendências se manifestando claramente nas lutas entre a tendência a uma autonomia verdadeira com participação total (podemos denominar o ideal democrático) dos cidadãos na organização social frente à tendência de predomínio de alguns grupos de poder através de distintos tipos de governo e formas de poder.
O sentido evolutivo da humanidade foi convergindo para o ideal democrático que, em 1789 com o slogan “liberdade, igualdade e fraternidade”, galvanizaram o ocidente. Pronto ficou esquecido o ideal de fraternidade que significava não somente termos uma origem comum, mas o fato de representar, todos juntos, o ápice de uma onda vital evolutiva ainda em pleno desenvolvimento. Eliminada a fraternidade, foi eliminada a preocupação com todos os seres humanos, foi eliminada a tendência a uma democracia social, e se chegou ao individualismo extremo de hoje onde somente interessa a satisfação pessoal (hedonismo e consumismo como conseqüências) e predomina o desinteresse pelo social. Isto gerou uma suposta democracia “política” que é somente a máscara de uma ditadura de uma minoria aristocrática (ainda que superficialmente o poder esteja nas mãos de um dos excluídos: um índio).
No século XX, a economia, a demografia, a ecologia, o desenvolvimento tecnológico e seu impacto nas culturas são problemas de todas as nações. Falta vocação metafísica nos dirigentes para que não se frustrem os sonhos dos que estão interessados na criatividade e nas verdadeiras relações humanas e não no lucro. Assim, atualmente observamos uma competição internacional perversa que exige sempre um acréscimo de produtividade que não vai se repartir entre todos, mas vai servir para novos acréscimos de produtividade produzidos pelo avanço tecnológico em poucos países, e assim é sacrificada a sadia convivência entre nações e as possibilidades de melhorar a perversa desigualdade observada nos dois terços da humanidade que vive em condições de miséria. Existem escritores dos grandes meios de comunicação que estimulam as guerras quando o importante é desenvolver a solidariedade entre todos os homens.
Democracia neste momento histórico significa dar autonomia econômica e liberdade a todos os homens, e todos os povos, isto é, dar liberdade de consciência, sem distinção de raça, religião, ideologia, etc. A liberdade com dependência não existe. Enquanto existam homens ou mulheres na miséria, sem uma verdadeira autonomia humana, não pode existir verdadeira liberdade, verdadeira democracia.
E aqui podemos situar o problema da verdade na Universidade. Num sistema econômico-social que não atende a todos seus membros, que não lhes dá acesso a uma vida plena, num mundo de perversas desigualdades entre homens e nações, a Universidade não pode ficar somente realizando “ciência” de forma asséptica, isto é, sem compromisso com a “realidade”. Pior ainda, realizando ciência de segundo ou terceiro nível.
A carência de uma real autonomia de pensamento, de uma ciência com um sentido original, pode até ser observada nas melhores Universidades de nossa América Latina, onde não existe a criação, ensino e divulgação de um pensamento próprio.
Eliminando a simplicidade de enquadrar os pensamentos, existe, no entanto, uma bifurcação clara no sentido evolutivo das sociedades humanas: i) um sentido se situa no campo da verdadeira aspiração humana, demonstrada por todas as tendências e pensamentos humanitários, de uma sociedade tanto nacional como internacional que permita a vida plena de todos seus membros ou ii) o outro sentido se situa, como agora, no “status quo” que significa conservar este modelo social onde prevalece o poder do dinheiro, da ganância, e onde suas conseqüências sociais são efeitos secundários que não se podem evitar.
Aceitando o primeiro sentido e considerando a Universidade como parte da consciência de uma nação, resulta claro que as autoridades universitárias têm a obrigação de estimular os trabalhos realizados sobre nossa realidade, sobre a realidade do Brasil e do mundo, em todos os setores: tecnológico, científico, social, econômico, cultural, etc., com o sentido de indicar quais são os caminhos para conseguir uma nação autônoma, verdadeiramente livre, como resultado de uma sociedade onde todos participam dos bens materiais e espirituais sem excluir ninguém. Esta é a utopia que se deve procurar.
Esta proposta tem conseqüências sérias em todas as áreas do conhecimento, como analisaremos em outros trabalhos. Os objetivos a conseguir devem ser guiados pela verdade do ser humano, do ser nacional, da verdadeira democracia. Aqui é onde a procura da verdade e a defesa da verdade acarreta graves problemas para as pessoas ou instituições. Aqui é onde devemos lembrar a sábia e esquecida frase do evangelho: “a verdade os fará livres”. Devemos procurar eliminar as falsas dependências para abrir as portas da liberdade. Por isto a procura da verdade é uma necessidade vital e logicamente própria da Universidade.