Agradeço ao professor Leis a sua gentil réplica à minha intervenção sobre a impossibilidade de uma neutralidade ideológica na universidade, mas me parece que nossas posições ficam bem distantes, como se, ao observar o mesmo objeto de perspectivas diferentes, ele mesmo modificasse seus contornos (como no fenômeno de visão paralaxe, que faz com que os objetos representados em certas obras pictóricas se transformem em outros ao mudar da posição do espectador). O professor Leis afirma que “as ideologias políticas pouco servem para entender a universidade”. Ora, o que eu tentava afirmar é que justamente tais afirmações são expressões de uma ideologia política. Ao recusar-se a reconhecer o caráter ideológico da sua posição, o professor Leis acusa a minha posição de ser ideológica. Talvez o problema seja de natureza semântica. Ele utiliza o termo “ideológico” no sentido negativo de “parcial, voluntariamente distorcido por uma visão política”, eu o uso no sentido neutro de “expressão de uma certa visão política da realidade em questão”. Neste sentido, repito, nenhuma posição pode reclamar não ser ideológica, inclusive aquela que afirma interessar-se somente na excelência acadêmica do ensino universitário. O problema neste caso não é, obviamente, a excelência, mas o advérbio “somente”, já que pressupõe a visão de que a universidade não precisa preocupar-se com a sociedade ao seu redor, mas só em formar profissionais.
O professor Leis afirma que existem ideologias próprias do mundo acadêmico: mas elas são expressão de uma visão geral da sociedade e do papel da universidade na sociedade e, portanto, de uma visão política. Posso ser acusado de reducionismo, mas gostaria que se me mostrassem exemplos de tais ideologias politicamente neutras. O professor Leis cita o caso da “produção” (sic) de engenheiros na China e no Brasil. Pois bem, admitindo que aumentar o número de engenheiros diplomados nas universidades brasileiras seja um fim aceito por todos, qualquer discussão sobre a maneira de obter tal fim não pode ser considerada politicamente neutra, mas acaba atingindo a visão que os envolvidos têm da universidade e de seu papel na sociedade (por que formar mais engenheiros e não mais sociólogos ou filósofos?), como o exemplo da discussão sobre o Reuni está demonstrando. Percebemos a dimensão política das questões acadêmicas, por exemplo, cada vez que se discutem os critérios seletivos e os números de vagas nos programas de pós-graduação, quando se confrontam os que pensam que é preciso operar uma seleção rigorosa e, no limite, não aceitar nenhum candidato, e os que pensam que a tarefa da universidade pública é a de oferecer a chance de melhorar seus conhecimentos e suas capacidades também a candidatos que chegam de programas de graduação fracos. Quando há tais discussões num colegiado de pós, não se trata simplesmente de uma questão interna à academia, antes de uma visão geral do papel da universidade (no caso específico dos PPGs) na sociedade brasileira.
Claro que a universidade não é de direita nem de esquerda, como o professor Leis vai afirmando faz um tempo. Mas a gestão da universidade não é e não pode ser politicamente neutra. Acredito que ninguém pense que um reitor seja um mero administrador de recursos. Suas decisões decidem o rumo que uma certa universidade vai tomar: se haverá mais atenção para determinados programas, se serão implementadas determinadas políticas educacionais (do Reuni às cotas), etc. Nenhuma destas questões é meramente acadêmica. Deste ponto de vista, afirmar que com o professor Prata ganhou uma visão de universidade politicamente neutra me parece, repito-o, incompreensível. Talvez se trate de uma visão menos abertamente política do que a do professor Nildo, mas nem por isso se trata de uma posição neutra. Pode ser que os eleitores do professor Prata não compartilhem esta leitura e pensem ter votado sem seguir nenhuma visão política, mas – e aqui sou eu, agora, que estou criando uma espécie de Catch 22 – até achar não estar seguindo nenhuma visão política numa eleição para reitor significa estar seguindo uma visão política.
Concordo, contudo, com o professor Leis que o debate político não pode e não deve ser reduzido a uma contraposição absoluta, na ótica de uma visão do espaço do político como marcado pela distinção amigo/inimigo de Schmitt. Não considero o professor Prata e seus eleitores como inimigos, mas como simples adversários políticos, com os quais não deixarei de discutir e de cooperar. Mas não entendo muito bem o sentido de tanta renitência em reconhecer que a posição do professor Prata ou do professor Leis não é politicamente neutra. Isso não significa que ela seja de direita por não ser de esquerda: o leque de posições entre o extremismo revolucionário e o neoliberalismo é muito amplo (eu falei de Cila e Caríbdis, deixando entender, a meu ver, que não considerava que as posições possíveis se reduzem a estas duas que representam antes dois extremos a serem evitados: aqui foi o professor Leis que me acusou de dizer algo que não disse).
Finalizando, aceito e faço meu o convite do professor Leis a agir de forma cooperativa no comum esforço de melhorar sempre a qualidade do ensino e da pesquisa nessa universidade. Mas isso não elimina o fato de que teremos sempre visões distintas do que significa uma universidade na sociedade brasileira do século XXI.