Tramita na Assembléia Legislativa o projeto de lei n. 582/2007 que, entre outras providências, institui um sistema estadual de ciência, tecnologia e inovação. A legislação é necessária e poderá abrir um novo horizonte para o desenvolvimento científico e tecnológico em nosso estado. Contudo, caso aprovado como apresentada pelo executivo, o projeto poderá também significar retrocessos em relação à situação atual e pecar por omissões insustentáveis.
Indiscutivelmente a possibilidade de retrocesso (inaceitável) fica por conta do artigo 27 do projeto de lei:
“O Estado de Santa Catarina destinará à pesquisa científica e tecnológica pelo menos dois por centos de suas receitas correntes, delas excluídas as parcelas pertencentes aos municípios, destinando-se à Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de SC – Epagri, para a pesquisa agropecuária, e à Fapesc, liberadas em duodécimos.”
Em caso de aprovação, teremos na prática duas agências de fomento em ciência e tecnologia: a primeira, a Fapesc, que atenderá a todas as áreas da pesquisa científica e tecnológica e a segunda, a Epagri, agora transformada em única gestora dos recursos constitucionais destinados à pesquisa agropecuária. Um verdadeiro absurdo, pois neste caso, a pesquisa agropecuária realizada com recursos orçamentários fica sob controle exclusivo de um órgão governamental, subalternizando ou inclusive podendo excluir as universidades de nosso estado com capacidade de pesquisa no setor.
No caso da UFSC, as limitações impostas ao CCA, CCB, CSE e CFH são tão evidentes quanto inaceitáveis: afinal, não somos capazes de desenvolver – ou participar – de pesquisa agropecuária? A única possibilidade caso a lei receba aprovação, seria a “parceria” com a Epagri sempre que a empresa decida contar com “apoio” dos professores de nossas universidades. Mas neste caso, a situação não seria ruim apenas para aqueles centros da UFSC que ficam excluídos do apoio estadual à pesquisa agropecuária, mas se tornaria ainda pior também para os demais, uma vez que a disputa seguramente aumentará no 1% destinado à Fapesc. Em resumo, a disputa pelos recursos ficará ainda mais desigual! Este verdadeiro “seqüestro” de recursos públicos pela Epagri é mais uma peça da desconstitucionalização em curso em Santa Catarina, pois o Tribunal de Contas do Estado já aceitou a inclusão de verbas de custeio da Epagri como se fosse investimento em ciência e tecnologia, fato que permitiu ao governo “cumprir” o artigo 193 que o obriga a investir 2% na área.
Por outro lado, o projeto não cria as condições institucionais para que a Fapesc possa criar um sistema de bolsas de estudo para nossos estudantes de pós-graduação que, em grande número, ainda realizam seus estudos sem amparo financeiro algum por parte de nossos programas. Neste sentido, o projeto estabelece no artigo 11 as possibilidades de “bolsa de estímulo à inovação” aos “pesquisadores públicos” diretamente de instituição de apoio ou agência de fomento, mas nada diz sobre medidas essenciais para um vigoroso sistema de pós-graduação que ainda temos que construir: a dedicação exclusiva do mestrando ou doutorando que somente se consegue com um sólido programa de bolsas de estudo que a Fapesc teria que criar com urgência.
O corpo técnico da Epagri que se transformou em importante apoio para a mobilização de todos os interessados no desenvolvimento científico e tecnológico neste ano, sabe que esse “seqüestro” não contará com o apoio dos universitários catarinenses. No último período conseguimos uma aliança estratégica entre universitários e funcionários do estado (Epagri) para conquistar os recursos constitucionais. O artigo em questão (27) não somente nos divide radicalmente como também elimina o clima de confiança tão necessário para lutas futurasd+ o corporativismo pode render frutos momentâneos, mas não garante futuro tranqüilo para ninguém.
Não obstante os avanços, a verdade é que a Fapesc jamais se consolidou como agência de fomento em Santa Catarina e a razão é conhecida de todos nós: jamais pode contar os recursos constitucionais, na forma da lei (duodécimo)! Destinar à Epagri recursos que somente poderiam ser geridos pela legitimidade da Fapesc não somente debilitará esta, mas muito provavelmente não garantirá os recursos para o órgão governamental encarregado da pesquisa agropecuária logo que o critério de “austeridade fiscal” tocar mais forte na Secretaria da Fazenda.
Há outros artigos que merecem melhor reflexão, mas os dois indicados anteriormente constituem pontos fundamentais para um forte sistema catarinense de ciência e tecnologia que estamos obrigados a construir. Existe a possibilidade de mudar aspectos importantes do projeto de lei que, tudo indica, será votado ainda em dezembro. A manifestação pública da Apufsc neste momento é essencial para sensibilizar os deputados em tão decisiva matéria.