A UFSC está de parabéns. No dia 13 de novembro passado escolheu como suas máximas autoridades pessoas comprometidas abertamente com a qualidade acadêmica, com a vocação de transformar a UFSC numa instituição de excelência nacional e internacional. Felizmente, o debate sobre a questão de qual ideologia política seria melhor para governar a universidade foi declarada pouco relevante pelos três segmentos (professores, alunos e servidores) que integram a comunidade. A eleição do reitor não foi decidida em concurso de popularidade de idéias de esquerda ou de direita dos candidatos. O voto do dia 13 colocou em evidência que aqueles que tentaram substituir sua inexperiência administrativa e suas carências de propostas acadêmicas estratégicas por consignas ideológicas e capacidades militantes foram amplamente derrotados.
No dia 13 de novembro a UFSC foi ao encontro do espírito universalista e cosmopolita que deu corpo à idéia de universidade no século XIII, a qual viria contribuir, decisivamente, para o grande salto civilizatório realizado pelo Ocidente na época moderna. Para surpresa de muitos dos que circulam despercebidos pelos templos que chamamos universidades, estas instituições possuem uma especificidade não menor que o tamanho de sua história. Assim como as instituições da religião e da política possuem lógicas radicalmente diferentes, o mesmo acontece com as instituições da política quando comparadas com as da ciência. Muitos acreditam que a especificidade da universidade reside apenas nos seus objetivos ou missão, orientados pela pesquisa, o ensino e a extensão. Que fora disso, a universidade é igual a qualquer outro “aparelho” estatal. Assim sendo, por ação ou omissão da importância do estatuto específico das universidades, são praticamente levados a se concentrar no debate de seu suposto papel social e político. Não digo que esses aspectos não sejam temas importantes do debate, mas não são eles que justificam a existência da quase milenar instituição.
Ninguém pode ignorar que, enquanto instituição, a familiar não é a mesma que o Estado, na medida em que a relação entre pais e filhos não é igual que a dos cidadãos entre si, já que esta última é entre iguais por natureza e direito, enquanto a primeira (pelo menos até a maioridade dos filhos) não o é. Infelizmente, a especificidade da instituição universidade não se enxerga com tanta clareza com a da família. As relações internas nas universidades, em particular aquelas entre professores e alunos, não são entre iguais. Embora seja impossível negar, poucos parecem tirar conclusões do fato duro de que uns aprendem e outros ensinam, de que uns avaliam e outros são avaliados. Mas isto não transforma, obviamente, a relação entre professores e alunos em algo parecido como a que existe entre pais e filhos. A família gera entre seus membros sentimentos e responsabilidades que não se pode pretender que existam entre professores e alunos universitários. A complexidade da universidade deriva de sua missão singular (a produção e ensino de conhecimentos que nenhuma outra instituição do Estado pode produzir), a partir de uma comunidade de membros articulada em dois sentidos relativamente contrapostos: por um lado, relacionados hierarquicamente em função de suas diferenças de saber e responsabilidade e, por outro lado, relacionados igualitariamente, de acordo com os direitos garantidos pela constituição a todos sem distinção.
Esta peculiar situação às vezes gera mal-entendidos. A dinâmica da recente eleição de reitor na UFSC mostrou isso. O debate em torno do sistema eleitoral é um exemplo. Felizmente, a Chapa 2, da candidatura dos professores Prata e Paraná, venceu nos três segmentos da comunidade e, portanto, se impôs como vencedora em qualquer dos sistemas eleitorais possíveis que estavam sendo reivindicados por diversos setores: o universal, onde cada estudante, professor ou servidor conta como um votod+ o proporcional diferenciado na forma da lei, que dá 70% do peso geral ao voto dos professoresd+ e o proporcional paritário, que dá a cada segmento 1/3 do peso geral. Foi este último sistema o adotado pelo Conselho Universitário para fazer a eleição do dia 13 de novembro. Mas quem participou do longo processo eleitoral sabe que este sistema não satisfaz por igual a todos os membros. Assim como tinha muitos professores que exigiam uma eleição na forma da lei (70% do peso para o voto dos professores), também tinha alunos e servidores que reclamavam o voto universal.
O índice divulgado pelo Comitê Eleitoral de 59,73% para a chapa vencedora, teria sofrido variações a mais ou a menos, no caso fosse adotado o sistema de voto de 70% para os professores ou o universal. O fato de que a Chapa 2 ganhou nos três setores da comunidade universitária e, portanto, o ganhador seria o mesmo em qualquer sistema, outorga ao triunfo do reitor eleito uma enorme legitimidade. Mas apesar do triunfo dos professores Prata e Paraná ter sido indiscutível, isso não elimina o fato que existem setores que não comungam da mesma forma a vida universitária e que a instituição se ressente desta circunstância. Uma das tarefas da futura gestão será enfrentar esta questão, tentando resolvê-la definitivamente. A decisão sobre sistema eleitoral não é uma questão pouco importante da vida universitária, já que ela traz embutida a compreensão de qual é a forma que os membros da comunidade universitária devem se relacionar. Em outras palavras, qual é a forma ideal da comunidade universitária em função de sua missão. E isto sim é da maior importância.
A universidade não pode ficar refém dos profissionais do conflito que não conseguem separar a universidade das lutas sociais e políticas do país e do mundo. A universidade é lugar de debate intelectual e científico, mas nunca de luta política. Politizar a universidade é dividir esforços e colocar pedras no caminho da produção de conhecimento e da formação dos profissionais que o país precisa. A comunidade acadêmica deve refletir e decidir sobre os melhores meios que alcancem os objetivos do desenvolvimento econômico, social e cultural do país. Mas isto não implica uma subordinação às lógicas dos movimentos sociais e políticos que, perseguindo um país utópico querem colonizar a universidade para instrumento de seus fins. Não se explica de outra forma a ocupação de reitorias ocorridas nos últimos tempos em várias universidades federais, por parte de pequenos grupos de alunos, nem as greves recorrentes dos sindicatos dos funcionários, em função de interesses setoriais que não levam em conta o conjunto.
Já nos anos 30 do séc. XX, o filósofo Leo Strauss criticava o seu colega Carl Schmitt por dar-lhe preeminência à noção de inimigo e, portanto, à lógica da guerra. Quando o comportamento dos atores reproduz esta lógica as instituições acabam, mais cedo ou mais tarde, sendo esfacelada em fatias irreconciliáveis. No final de um caminho semeado de inimigos se encontra a decadência como único resultado possível. As intenções dos atores se legitimam na tentativa de mudar a realidade para melhor. Mas o verdadeiro ponto de inflexão não reside apenas nos fins propostos, senão nos limites que os atores devem definir e adotar para que o resultado seja alcançado. Não tenho dúvidas que os professores Prata e Paraná têm todas as condições para levar à UFSC aos níveis de excelência acadêmica pretendidos por todos nós e mais ainda. Porém, como a universidade não é uma empresa, nem um partido político, ela precisa da aceitação de seus membros das regras e normas que regem a vida universitária, assim como da criação de espaços de convivência e confiança, amigáveis e hierarquizados entre os diversos segmentos que compõem a instituição. O triunfo avassalador e incontestável dos professores Prata e Paraná deveria chamar à reflexão para aqueles que insistem em colocar seus objetivos de grupo acima do conjunto. À guisa de conclusão deste artigo, tomo a liberdade de trazer para a análise o texto divulgado pelos candidatos da chapa derrotada no seu site: http://www.nildoemauricio.ufsc.br/site/ (acessado em 16/11/07), no momento que tomam conhecimento de sua derrota. Dizem os professores Nildo e Mauricio:
“O conservadorismo mais uma vez venceu na UFSC. Estudantes, técnicos e professores decidiram continuar com a mesma universidade, com o mesmo modelo de administração que privatiza, que não respeita os trabalhadores, que mantém os mesmos velhos privilégios. Com o pesado rolo compressor da máquina administrativa trabalhando, tudo segue como está, o continuísmo A UFSC preferiu o segundo lugar, a prata. Para os que fizeram a campanha de Nildo e Maurício fica uma certeza: esta não foi a última batalha. Apenas mais uma luta no longo e difícil processo de transformação. Nós seguiremos defendendo os princípios que fizeram a nossa campanha. Nosso agradecimento a todos os valorosos companheiros e companheiras que fizeram essa caminhada conosco. A nova UFSC um dia haverá de nascer pelas nossas mãos!!!”
O que se espera dos candidatos derrotados, numa disputa eleitoral cujas regras foram aceitas livremente por todos os participantes, são os merecidos parabéns para o adversário. O que se espera é a expressão do desejo que tenham o melhor fruto possível de sua gestão, assim como o compromisso de colaboração para que isso seja possível. A UFSC precisa que todos somem na sua construção. Mas a atitude dos professores Nildo e Maurício parece sugerir que nada aconteceu no dia 13 de novembro. Na medida em que não aceitam sua derrota e continuam chamando à luta, eles estão negando o resultado eleitoral como a expressão legítima e pacificadora da vontade geral. Essa atitude agride não apenas àqueles que não votaram neles, mas a toda a comunidade. A disputa eleitoral é uma disputa circunstancial, que não pode acabar apenas para o candidato vencedor. A eleição fecha um ciclo para todos os candidatos. A UFSC deveria ser poupada da figura de candidato vitalício para reitor, como parece pretender Ouriques, imitando talvez por caminhos tortos a muitas das lideranças populistas que estão presentes hoje na política da região. Atendendo a suas palavras é bom se perguntar quem é o candidato conservador nesta história, o Prof. Nildo ou o Prof. Prata? Aquele que parece invocar um mandato divino para disputar a reitoria até sua aposentadoria ou aquele que, disputando pela primeira vez o cargo, conseguiu ganhar de forma praticamente inédita a maioria expressiva dos votos dos alunos, os servidores e os professores?