O modelo inscrito no Reuni atenta contra o conceito de universidade consignado na Constituição de 1988 (“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”). Para o cumprimento das principais metas de relação aluno-professor de 18/1 e diplomação de 90% dos ingressantes num período de 5 anos, será obrigatória uma reestruturação dos cursos para preencher vagas ociosas em qualquer etapa e disciplina dos cursos, ou pelo menos de alguns. A criação dos Bacharelados Interdisciplinares com certificação em três anos será praticamente obrigatória. Talvez a forma de acesso aos cursos profissionalizantes possa se dar em grande medida a partir dessa modalidade de curso, pinçando-se alunos para preencher vagas ociosas em todas as fases. Será que a reestruturação que acabamos de iniciar já está defasada? Será que ao discutirmos e mantermos pré-requisitos estamos na contra-mão da modernidade?
Toda a estrutura da universidade estará comprometida em atingir metas limitadas ao ensino em troca de míseros 20% a mais de sua verba de custeio. Se acreditamos, como preconiza o decreto, que há ociosidade de estrutura e pessoal, então não haverá problema em aderir ao Reuni, porém a ansiedade em aderir ao programa mostra tão somente a necessidade de verbas para ampliação de infra-estrutura e equipamentos que faltam agora, antes da expansão. Os 20% da verba de custeio que estão sendo negociados com a universidade são para aumento de vagas com estabelecimento de contrapartidas, portanto excluem as atuais necessidades. O Banco de Professor-Equivalente, ao contrário de incentivar o preenchimento das vagas abertas por vacância, vem efetivar a figura do substituto como horista, prejudicando o tripé ensino-pesquisa e extensão que caracteriza e qualifica a universidade pública brasileira.
O governo trata a educação como uma fábrica de certificados que necessitaria ter sua produtividade incrementada e, para se tornar um bom negócio, seus custos de produção reduzidos. A meta do governo é a de reduzir o custo médio anual do aluno de graduação dos quase R$ 6 mil e quinhentos investidos atualmente para R$ 4 mil. Para obter isso, ele precisa redefinir a forma de remuneração dos “recursos humanos”, em particular dos docentes. Eles terão que ser incentivados a darem mais aulas e para um número maior de alunos.
Na reunião do Andes com o Ministério do Planejamento do último dia 18 de outubro, o governo apresentou a proposta de criação de uma nova gratificação produtivista, mas agora aprofundando o modelo Bresser/ FHC: 20% de avaliação individual e 80% de avaliação institucional. O que dá para depreender disso é que teremos o fim da isonomia salarial nacional mesmo para os professores da ativa, já que a nota da instituição vai definir o salário dos docentes nela lotados. É fácil perceber que o principal quesito nesta avaliação será o atendimento ou não das metas do Reuni. As instituições que não atingirem as metas terão seus docentes punidos salarialmente.
Para receber quantidade elevada de pontos na gratificação, não bastará ao professor dar muitas e muitas aulas, será preciso que seu departamento, seu curso, sua universidade, alcancem bons resultados, nas metas definidas pelo Reuni. Lembremos que as metas não se limitam a quantidades de alunos, mas também de certificações. Portanto, no limite, a remuneração do docente dependerá também da redução da evasão e dos índices de conclusão dos cursos. A reprovação de alunos poderá ser sentida no bolso dos professores. O governo impõe a diplomação sem mérito acadêmico. Para atingir esse objetivo, busca uma fórmula para obter pelo “bolso” a cumplicidade dos professores. Esse envolvimento dos docentes, pretendido pelo governo, levará à degradação da qualidade do ensino.
É importante observar que a elevação anual dos valores do ponto da gratificação, expressa nos parâmetros apresentados pelo governo, tem por objetivo assegurar as etapas de implantação do Reuni. A cada ano, a parcela da remuneração que depende do desempenho assumirá proporção maior em relação aos demais componentes da remuneração: o vencimento básico e a titulação – esta última tornada fixa e que poderá ficar com valor congelado por longo tempo.
Aderir ao Reuni significa abrir mão da universidade que temos, que, se tem problemas, estes não serão resolvidos com a adesão a este programa. Ao contrário, a expansão sem garantia de financiamento suficiente, desvinculada da recuperação da estrutura atual, e colocada como condição para a recuperação salarial dos professores, levará ao agravamento dos problemas, impondo inclusive uma maior competição entre os centros, em uma mesma universidade, e entre elas em todo o sistema federal de ensino superior.
É preciso que todos os professores sejam alertados sobre todas as conseqüências desse projeto. Na atual negociação entre Movimento Docente e governo está em jogo, também, o futuro das condições para o exercício do trabalho docente e o futuro da universidade fundada no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.