Desesperar, jamais!

Há um princípio em primeiros socorros que combina bem com a letra de Ivan Lins/Vitor Martins, inspiradora do título deste artigo. Trata-se de manter a calma antes de agir no atendimento de emergências, pois a falta de controle em ocasiões dramáticas dificulta a análise cuidadosa da situação, podendo complicá-la ainda mais. Há outros princípios interessantes nessa área, tais como “muito ajuda quem não atrapalha” e “acidentes não acontecem por acaso, mas sim porque fizemos ou deixamos de fazer algo”, o que significa, respectivamente, ter cuidado com os curiosos e superar a visão fatalista das desgraças, recolocando sobre nós a devida responsabilidade.

Ao meu ver, é muito útil tentar exercitar esses princípios na luta sindical, da qual venho fazendo parte mais diretamente há cerca de um ano, desde que aceitei compartilhar com companheiros valiosos a difícil e apaixonante missão de dar direção à organização coletiva dos trabalhadores docentes da UFSC. Assim, nos limites de minha humanidade, tenho buscado me manter equilibrado e estimulado a enfrentar a toda sorte de tensões que insistem em permanecer no contexto da Universidade que escolhi para ser professor. E, na medida do possível, tenho tentado reservar energias para servir como anteparo e amparo a tantos colegas que já chegaram aos limites do suportável, às raias do desespero.

Há muito tempo pensava em escrever para este Boletim aquilo que ora segue. Mas pensei que seria importante observar e esperar pacientemente, deixando que a sucessão de fatos evidenciasse as contradições e pudesse auxiliar na compreensão a respeito de onde estamos e para onde vamos, superando visões pré-concebidas e construídas pela maledicência. Preferi não ser precipitado, evitando com isto eventuais exageros, visões superficiais, análises apressadas, parcialidade. Preferi ser comedido, tentando não ser injusto e me esforçando para não agir com emoções desenfreadas, resultantes de reação até normal frente às provocações evidentemente sem fundamento e desagregadoras, destinadas a um coletivo e instituições que, em geral, detratores irresponsáveis nem conhecem, apesar de estarem por aqui há muito mais tempo (eu cheguei há dez anos). Escolhi deixar coisas menores pra lád+ deixar a poeira baixard+ escolhi dialogar, procurar esclarecer as dúvidas e conflitos pessoalmente, de preferência em espaços reservados que não expusessem os interlocutores desnecessariamente ao constrangimento, sem fazer grandes alardes e tentando resolver os problemas internamente. Resolvi ser menos tolerante com meus limites e mais tolerante com os limites dos outros, acolhendo com interesse e respeito, independente de posturas agressivas e prepotentes, pois bem sei o quanto isto indica a condição de seres fragilizados e inseguros, que buscam na imposição de seus pensamentos e na desqualificação dos oponentes a sua própria afirmação.

Nas últimas semanas vivi momentos muito felizes e outros entristecedores na atividade sindical, que me fizeram refletir profundamente sobre minha curta e intensa passagem pela Apufsc, desde que assumi a modesta função de Segundo Secretário da atual Diretoria. E é desta posição que gostaria de me pronunciar, pois ocupo, por força das circunstâncias (devido à saída de dois companheiros que estavam acima na hierarquia), um lugar privilegiado, de onde se pode observar as plenárias de frente e visualizar com maior clareza os movimentos que nela se estabelecem. Talvez isto ajude a alimentar o debate sobre a dialética do negar e conservar no movimento sindical.

1) No que se refere à Apufsc, há responsabilidades diferentes em relação a membros da diretoria, associados, não associados, reitoria, servidores técnico-administrativos, movimento estudantil…portanto, quando se clama por mudança, é preciso compreender que uns podem tranqüilamente ser franco-atiradores, enquanto outros, tendo uma bala apenas, e sendo o alvo móvel e envolto por cortina de fumaça, sequer podem pensar em errar o tiro. Portanto, é simplista, impróprio e injusto taxar indiscriminadamente aqueles que são resistentes a certas mudanças (e não todas!) de ultrapassados, dinossauros, dentre outros adjetivos. É preciso também refletir sobre a quem interessam permanência/mudança e por que as propostas são feitas em determinado momento, e não em outro, dentre tantas questões. 

2) Mudanças de forma e superficiais, que não fortaleçam e/ou transformem a essência e valores da organização coletiva, até podem representar avanços circunstanciais e fazer grande diferença com o decorrer do tempo, agregando mais pessoas e estimulando para o trabalho permanente e compromissado. No entanto, há também boa chance de mudanças dessa ordem serem geradoras de pseudo-sensação de segurança, pois na medida em que não estão alicerçadas em projeto histórico sólido, ao sinal da primeira crise, é bastante provável que tais avanços se percam e possam representar retrocessos difíceis de serem recuperados, a não ser com muito esforço, humildade e sabedoria. Neste contexto, apesar de considerar a contribuição de muita gente séria, responsável e bem intencionada, o que sinto prevalecer é uma pressão por mudança, e não um processo de mudança na Apufsc. Há, ao meu ver, boa dose de prepotência, porque alguns acreditam ser mais inteligentes, capazes, mais representativos do que todos aqueles que atacam. 

3) Verdadeiramente, não há muito de novo dentro do novo, senão o resultado da crise do velho. Não haverá sindicato novo sem considerar o que existe agora e os anteriores. Penso, e sinto, que não será refundado o sindicalismo da (AP)UFSC sem que a UFSC seja re-fundada. Não se contrói uma nova Apufsc sobre os escombros de pretensos derrotados. Não se faz um brilhante trabalho de diretoria de sindicato com a destruição de ex-diretores. Não se cria vida no movimento de trabalhadores quando outros trabalhadores se alegram com a aniquilação de quem quer que seja. Por sua vez, não teremos uma UFSC renovada senão em meio a imensas contradições, com avanços e retrocessos em diferentes espaços e tempos. Não há varinha mágica! Não há uma UFSC e Apufsc para todos, apesar disto ser uma exigência inalienável do processo democrático e do espírito agregador, dos quais compartilho e sou um mero aprendiz. Pois há, concreta, explícita e implicitamente, projetos em disputa, que incluem e excluem simultaneamente, que ficam mais evidentes em momentos de severa crise como os de agora. Há sim diferentes visões de UFSC, sendo boa parte delas incompatíveis entre si. Há sim diferentes visões de serviço públicod+ diferentes visões de docência, de relação professor-aluno, ensino-aprendizagem, e por aí em diante. E é disto que resultam posturas tão diferenciadas de departamentos e centros da Universidade perante projetos de impacto tão significativo, como é o caso do Reuni e Professor Equivalente, só para ficarmos em poucos exemplos.

4) A maior pressão para mudanças na Apufsc vem acompanhada de um pacote pouco divulgado. A Diretoria agia coesa e feliz até a intervenção na Feesc. O “vulcão rugiu” e colegas vieram até a Apufsc, “se aconselhar”. Outro momento de tensão foi gerado por manifestações polêmicas do Presidente no Boletim sobre Andes, falta de representatividade, “assembleismo” e tais. Houve rebatida contundente de associados no mesmo veículo. Imediatamente, “as penas do travesseiro” foram lançadas ao vento, divulgando a mentira de que os demais membros da Diretoria atual queriam a saída do Presidente. Como reação, manifesto de apoio ao Presidente organizado por docentes que se diziam insatisfeitos com os rumos da Apufsc e Andes, contabilizando-se seiscentas e tantas assinaturas colhidas em longa peregrinação aos departamentos, sem vir a público que muitos assinaram induzidos pela falsa idéia de motim e que outros o fizeram em clima de constrangimento, conforme depoimentos pessoais posteriores. 

5) Na política tem se tornado comum mostrar tudo, menos o essencial, e neste caso, pouco se diz sobre a imensa maioria de professores que não assinaram o documento[1], ou sobre aqueles que, agora esclarecidos, talvez não o assinassem novamente. Montada a cena, o mantra passou a ser golpismo, com busca incessante de intimidação da Diretoria em todos os espaços possíveis. A formação do consenso foi buscada de forma asfixiante, basta para isto verificar o grande volume de publicações com idéias repetidas a cada semana nos Boletins, a forma truculenta de sobrepor idéias em listas de discussão, ou mesmo o revezamento no monopólio do microfone nas assembléias, o que significa, ao meu ver, a re-edição dos mesmos vícios que levaram muita gente séria a se afastar do espaço coletivo e da luta sindical. Apesar da gravidade destes fatos, isto ainda foi pouco, pois, nessa lógica de pressionar para mudanças na Apufsc, tudo aquilo que vem sendo realizado por toda Diretoria e considerado bom pelo “controle social”, é atribuído exclusivamente ao presidente. Tudo o que é ruim é responsabilidade da Diretoria, excetuando-se o presidente, obviamente! A isto chamamos blindagem, não havendo palavras bonitas que possam justificá-la.

 6) Sobre confiança, esta não se oferece, tampouco se exige. Confiança se conquista! Líderes e representantes das bases não se forjam por decreto, tampouco do dia para noite. Movimentos sociais, inclusive o sindical, não se sustentam por muito tempo, ou tempo suficiente, com personalismo. Líderes cumprem seu papel na história, mas também são prejudiciais, pois anestesiam outras iniciativas e tornam-se mitos, inalcançáveis, portanto. Movimentos sociais com liderança evidente são vulneráveis ao oportunismo, tornando-se alvos fáceis de sedução, perseguição e atentados. Lideranças e representantes das bases enaltecidos e colocados artificialmente acima do coletivo e da história de lutas institucionais correm sério risco de envaidecimento, de serem movidos pelo orgulho, de se perderem em meio às tensões geradas por atores de ocasiãod+ de tratarem os diferentes/divergentes indistintamente como opostos, como inimigos, como inferiores, ao menor sinal de questionamento.

7) Do “pacote de modernidade” deste “novo sindicalismo”, sou mesmo conservador em resistir a coisas que já são explicitadas livremente em assembléias e listas na internet, tais como: a) caracterizar o Sindicato meramente como Associação que cuide exclusivamente dos problemas locaisd+ b) que não se relacione com movimentos e causas sociais em âmbito local e global (o que ao meu ver é frontalmente contrário à missão da UFSC, conforme pode ser observado em sua página oficial)d+ c) que sejam esvaziados os espaços de debate coletivo, justificando que o professor é um trabalhador diferente e os tempos são outros, sendo possível o esclarecimento a partir da mídia hegemônica e do contato com seus próximos mais próximosd+ d) que possamos discutir e votar indicativos de greve, desde que haja muita segurança de que elas não ocorram, para não prejudicarmos os estudantes (quanta abnegação!)d+ e) que a nova Associação tenha algo como meia-dúzia de cargos, meramente executivos do Conselho de Representantes, sendo que cada pessoa se candidata a um deles, não compondo mais chapas com projeto político definidod+ f) criar a ilusão da participação ativa por via eletrônica e intervenções pontuais, quando o que mais precisamos neste momento é uma reação organizada frente ao desmonte da universidade pública, que pela complexidade e pelo nosso cansaço, teremos muita dificuldade em compreender em nossos isolamentos. 

Dessa forma, não é preciso muito esforço para perceber o significado deste movimento de imposição de mudanças, sendo bastante emblemática a desistência repentina de se criar uma outra associação dos docentes da UFSC, pois, com a estrutura que tem a Apufsc e feitas as correções ideológicas e estruturais necessárias, esta pode cumprir dois papéis de fundamental interesse para os docentes “democráticos, meritocráticos e modernos” – primeiro, voltar a atuar como mera associação e, segundo, não incomodar!!!

Para encerrar com esperança, ou seja, com a crença enraizada em bases concretas que demarcam nossos limites e possibilidades, considero que, das mudanças já em curso, a principal delas é a recomposição do Conselho de Representantes, antiga reivindicação do movimento docente que já funcionou bem no passado. Neste caso, penso que ele pode de fato representar grande avanço, desde que não atue como um fim em si mesmo, e cumpra sua função primordial de ser um articulador, mediador em via de mão dupla entre a Diretoria do Sindicato e os associados. Nesta perspectiva, acredito que o Conselho deva ser também representante daqueles que nos círculos mais reduzidos tornaram-se tímidos, ou como diria um colega, foram intimidados(!), e sequer conseguem ser ouvidos em suas falas de cabeça baixa, devido à opressão  tão comum aos espaços de disputa insana por poder que aqui (ainda) impera. 

Assim, revitalizar a (AP)UFSC passa por termos claro um projeto que alimente a defesa da vida em seus mais amplos e profundos significados, exigindo de todos nós a reflexão sobre o que nos cabe coletivamente nesta empreitada enquanto trabalhadores da educação denominada superior. Apesar das inquietações, das dúvidas e constrangimentos, o movimento docente da UFSC não tem o que temer, pois nas mudanças propostas há muito de bom, de belo e legítimo que podem ser potencializados rumo a um projeto emancipador de universidade pública e de sociedade. Que venham os novos ventos da mudança, no espírito dos poetas já mencionados: 

“No balanço de perdas e danos
já tivemos muitos desenganos
já tivemos muito que chorar 
mas agora, acho que chegou 
a hora de fazer valer o
dito popular 
Desesperar, jamais!”

————————————

[1] A Apufsc tem hoje 2.679 associados, dos quais: 1.620 ativosd+ 17 substitutosd+ 917 aposentadosd+ 111 pensionistas e 14 visitantes.