Debates dificilmente têm o condão de modificar as convicções mais arraigadas dos contendores. Podem obrigá-los, contudo, a refinar seus argumentos. É isso, em todo caso, o que estou experimentando neste momento no diálogo que, a propósito das eleições para reitor, venho mantendo, nas páginas do DC Cultura, com a professora Maria de Lourdes Borges, do Departamento de Filosofia.
De seu lado, o professor Héctor Leis, do Departamento de Sociologia, na última edição deste Boletim, resolveu entrar na polêmica. Recebi sua intervenção com grande alegria, e aceito o desafio que ele lança contra as minhas teses. O que se segue é o resultado da reflexão (e de uma certa inflexão) que seu texto me pôs a fazer.
No referido artigo, o professor Leis supõe que “a universidade pública ficou presa à rede de interesses econômicos corporativos e paradigmas ideológicos caducos que se amparam no suposto exercício democrático de sua gestão para defender as posições adquiridas dos que já estão dentro, obturando uma representação mais universal, que inclua os interesses dos que estão fora”. Trata-se aí, para ele, de uma perversão da autonomia universitária, “outorgada historicamente às universidades para preservá-las dos avanços do Estado, em função de interesses conjunturais dos grupos governantes, contra o necessário exercício da liberdade intelectual”. Conclusão do colega Leis: nesse contexto, o melhor a fazer pela UFSC é despolitizar o cargo de reitor. “Um reitor”, pontifica ele, “deve ser um bom reitor, não de direita ou de esquerda”.
Quanto a mim (no que revejo parcialmente a posição que até agora defendi), devo dizer que – ao menos no que se refere a esta eleição – concordo com a fórmula, se bem que não propriamente no sentido valorizado por Leis e muito menos em nome dos argumentos que ele arrola.
Para começar, creio que é de justiça observar que, à diferença do que diz o colega Leis, a autonomia universitária, como bem lembra o professor Renato de Oliveira, não surge particularmente para preservar a Universidade dos avanços do Estado, até porque se trata de um princípio anterior ao próprio nascimento do Estado tal como o conhecemos. De resto, a meu juízo, o dito princípio não tem nem mesmo a função de proteger a universidade da política (esta, sim, anterior ao princípio da autonomia). Cabe-lhe, em compensação, impedir que, no diálogo – eminentemente político – que a Universidade trava com as forças socialmente ativas, a Academia esteja, desde o início, submetida a alguma delas. Uma Universidade madura se articula com um campo de forças, e isso depende, sim, de opções políticas – do reitor e de quem ele representa.
Em todo caso, estou de acordo com o professor Leis quando ele afirma que vivemos hoje uma condição em que o princípio de autonomia esteja sendo vilipendiado. E acho até que ele tem razão quando chama a atenção para o fato de que, sob a capa da autonomia, disfarçam-se interesses corporativos e ideologias caducas. Aduzo, entretanto, que aquilo que, na UFSC, a autonomia universitária mais disfarçou nos últimos anos não foi nada disso. Foi, antes, a gestão temerária da Feesc, cujos detalhes escabrosos começam a vir à tona.
De fato, o próximo – ao menos, o próximo – reitor da UFSC não deve ser nem de esquerda, nem de direita. A rigor, essa opção ideológica nem poderá ser feita, tamanho o estrago puramente administrativo que ele terá que consertar. O próximo reitor já fará muito se nos livrar da incompetência e da má-fé dos que, por seus erros, levaram a Feesc a uma intervenção judicial e aos relatórios do Ministério Público. Ele já prestará um grande serviço à comunidade universitária e ao país se afastar do poder os responsáveis pelo ocorrido. Resta-nos responder qual, entre os candidatos, está apto a capitanear essa tarefa.