O texto abaixo foi elaborado a partir das discussões e estudos realizados durante a reunião do Grupo de Trabalho sobre Políticas Educacionais (GTPE) nacional do Andes-SN, nos dias 29 e 30 de setembro. Nestes dias, as tabelas divulgadas pelo governo nas Diretrizes Complementares do Reuni foram analisadas e a idéia subjacente ao texto do programa foi debatida em suas implicações para o Sistema Federal de Ensino Superior Público.
A chamada pública MEC/SESU n°08/2007 – Reuni constitui-se em um edital no qual estão bem claras as regras para apresentação de proposta e cumprimento do projeto. É um contrato de gestão que estabelece as diretrizes e a forma de liberação dos recursos.
Cada universidade federal poderá apresentar um projeto, aprovado por seu conselho universitário, contemplando e atendendo “às diretrizes descritas no artigo 2º do Decreto n° 6096/2007”. As diretrizes estruturadas em seis dimensões “visam, atendidas as exigências colocadas nas metas, […] uma concepção mais flexível de formação acadêmica na graduação de forma a evitar a especialização precoce […]”.
As seis dimensões são: (A) Ampliação da Oferta de Educação Superior Pública, (B) Reestruturação Acadêmico-Curricular, (C) Renovação Pedagógica da Educação Superior, (D) Mobilidade Intra e Inter-Institucional, (E) C‑ompromisso Social da Instituição e (F) Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação. Cada uma delas está subdividida em subitens para os quais deverão ser propostas ações.
Entre os subitens da dimensão B estão: Reorganização dos cursos de graduaçãod+ Diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente (grifo nosso) com superação da profissionalização precoce e especializadad+ Implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos (certificados?) que possibilitem a construção de itinerários formativosd+ e Previsão de modelos de transição, quando for o caso. Será que o Bacharelado Interdisciplinar já aprovado figurará como uma das ações propostas pela UFSC?
Para os subitens da dimensão E, a UFSC está adiantada, pois já aprovou no CUn cotas como política de inclusão para egressos de escolas públicas, negros e índios.
Nos subitens das demais dimensões é possível que já tenhamos ações em efetivo desenvolvimento, graças aos esforços dos professores. Mas será que poderemos aplicar algumas de nossas propostas de metodologias de ensino para classes de mais de 50 alunos? Aulas de campo, laboratório, seminários, relatórios de pesquisa baseados nos programas das disciplinas? Ou será que daremos aulas “high tech” com data-show em auditórios?. É isto que se entende no subitem da dimensão C por “atualização de metodologias (e tecnologias) de ensino-aprendizagem”?
Considerando que a expansão é para a “superação da profissionalização precoce e especializada” talvez seja mesmo dispensável ensinar a todos metodologias de pesquisa e ensino. Talvez até se possa reduzir ainda mais o seleto grupo para profissionalização, garantindo aos demais um certificado de que um dia sentaram em um banco da academia. Mas será que é isso que a sociedade, os pais, que se sacrificam para enviar seus filhos a uma universidade, esperam da instituição e de seus professores? Que ofereçam palestras e nenhuma profissionalização aos seus filhos? Que depois de três anos a universidade entregue ao seu filho um certificado tão consistente quanto aquele recebido após a conclusão do ensino médio?
As propostas entregues para concorrer ao financiamento de programa de reestruturação e expansão das universidades federais “deverão contemplar um aumento mínimo de 20% nas matrículas de graduação projetadas para a universidade, além de atender as demais diretrizes” (grifo nosso). Assim talvez não seja possível, como alardeiam as administrações das universidades federais, não cumprir literalmente o edital, pois fica bem claro que a avaliação será anual e os recursos serão liberados conforme o atendimento das metas.
O Programa (Decreto nº6.096/2007), tendo por objetivo a reestruturação e expansão do ensino superior, privilegia (art. 1º, §1º) “dois indicadores de desempenho para a aferição das metas do programa (grifo nosso): a taxa de conclusão média dos cursos presenciais e a relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor”. Apresenta inclusive parâmetros de cálculo para esses dois indicadores. A taxa de conclusão dos cursos de graduação (TGC) será calculada anualmente considerando a razão entre diplomados e ingressos. Hoje essa taxa, que está em torno de 65% na UFSC, deverá se elevar para 90%. Mas o TCG não se resume apenas aos fenômenos de retenção e evasão, mas também com a “eficiência com que a universidade preenche as suas vagas ociosas decorrentes do abandono dos cursos”.
Deste modo estamos implicados com a reestruturação dos cursos, afinal, muitos deles têm uma lógica de pré-requisitos que impede alguém de se incorporar em uma fase qualquer do curso, sem a conclusão da primeira fase. Na reestruturação que acaba de se fazer, se repensou nos pré-requisitos e se concluiu que muitos deles são essenciais para a aprendizagem. Mas para cumprir uma das metas privilegiadas do Reuni, teremos obrigatoriamente que abrir mão da lógica discutida, pelo menos nos últimos 5 anos, até o fechamento das propostas ora em implantação. Ou quem sabe será finalmente iniciado o Curso Interdisciplinar na área de Ciências Humanas (PDI da UFSC 2004 – pág. 36)? Um curso de Bacharelado Interdisciplinar foi discutido no CUn em 2004. O aluno poderia ingressar por qualquer dos cursos da UFSC, cumprir 70% dos créditos em um centro (ou área?) e os demais poderiam ser pulverizados nos outros centros. Parece até que na época a proposta, como que saída do “túnel do tempo”, já estava formatada para atender às exigências do Reuni, descritas nos subitens da dimensão B das diretrizes.
A taxa de conclusão (TCG) será calculada pela relação total de diplomados em cursos de graduação presenciais num determinado ano (ex. 2005) e o total de vagas de ingressos oferecidas cinco anos antes (2001). A relação de alunos de graduação presencial por professor será calculada com base na matrícula projetada. Esta será calculada com base no número de ingressos anuais de cada curso presencial, a sua duração padrão (ex.: 4 anos) e um fator de retenção estimado para cada área do conhecimento (0,1000 no caso da formação de professores).
“A matrícula projetada não corresponde necessariamente ao número de alunos que estão matriculados em disciplinas oferecidas pela universidade em um determinado período letivo” e “estima a capacidade de atendimento da universidade como função do número de vagas oferecidas anualmente em seus processos seletivos e a duração dos cursos”.
Ou seja, como os cursos oferecem quantidades diferentes de vagas, duração e fator de retenção diferentes, a universidade deverá criar mecanismos para preencher vagas ociosas decorrentes da evasão. Esta, de acordo com estudos de professores da UFPR, ocorre em 40% a 50% dos casos, tanto nas IFES, quanto nas IES privadas, pela “incompatibilidade entre o estudo e o trabalho, associada à sustentação financeira do estudante ou de sua família”. A evasão decorrente da escolha precoce do curso ou profissão é de cerca de 10%. Além disso, o aluno, que se desilude com a carreira escolhida, normalmente busca pela transferência na própria universidade, muitas vezes pleiteando matrícula como aluno especial em outro curso. A questão da evasão por questões financeiras não será resolvida com a substituição dos estudantes desistentes por outros, pois o financiamento do Reuni com certeza não será suficiente para atender as reais necessidades do subitem 2 da dimensão E: Programas de assistência estudantil.
Com o acréscimo de recursos de custeio e pessoal “limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da universidade”, tomando por base o orçamento do ano inicial da execução do plano (2008?) […] incluindo a expansão já programada (novos cursos: zootecnia, oceanografia, artes cênicas, etc?), será possível suprir as necessidades dos estudantes de modo a desestimular a evasão? Além do mais o recurso destina-se especialmente “a construção e readequação de infra-estrutura e equipamentos necessárias à realização dos objetivos do programad+ a compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos e despesas de custeio associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação” (grifo nosso).
Os cálculos podem ser feitos com base nas equações apresentadas no edital, com dados disponíveis na rede, incluindo um fator de avaliação da CAPES, que privilegiam, na relação aluno-professor, as universidades com grande número de programas de pós-graduação com boas notas. ,
Fizemos os cálculos (GTPE do Andes-SN), para diversas universidades, no último fim de semana em Brasília. Com os dados disponíveis na rede pelas universidades, ninguém conseguiu chegar exatamente aos resultados previstos pelo MEC. Está claro no edital que o Decreto nº 6.096/2007 (artigo 1º, § 1°) “delega ao Ministério da Educação o estabelecimento dos parâmetros de cálculo desses dois indicadores”, ou seja, aqueles destacados como privilegiados para aferição das metas e conseqüentemente liberação dos recursos até 20% da verba de custeio.
Em 2008 quais os cálculos que valerão: os do MEC, cuja base de utilizada não temos acesso, ou os cálculos elaborados com os números das universidades, publicados em documentos e disponíveis na internet? Outra questão: se os indicadores não forem alcançados na sua totalidade, receberemos a parte proporcional ao cumprimento ou não receberemos coisa alguma?
Nós professores devemos assinar esse cheque em branco até 29 de outubro? Ou vamos tentar esclarecer melhor essa proposta? Será que, se todas as nossas questões forem respondidas e colocadas por escrito em um documento, teremos garantia do cumprimento imediato, ou será que como em nossas negociações salariais o recurso será parcelado em suaves prestações pelos próximos anos, além do parcelamento já combinado para os próximos cinco? O governo promete parcelas por ano, mas será que pagará no mesmo ano em que forem cumpridos os compromissos que avaliamos como draconianos?
O governo federal previu no projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2008, recentemente encaminhado para a apreciação do Congresso Nacional, a importância de R$ 480 milhões para a implementação do Reuni, discriminados conforme o quadro abaixo reproduzido do referido projeto:
Por ele podemos notar que existe a previsão de cerca de R$ 174 milhões alocados no GND 3 ODC (Grupo de Natureza da Despesa 3 – Outras Despesas Correntes) e cerca de R$ 306 milhões alocados no GND 4 INV (Grupo de Natureza da Despesa 4 – Investimentos). Não há nenhum recurso previsto no projeto da LOA 2008 para o GND 1 – Pessoal e Encargos Sociais dentro do Reuni. Portanto, não há previsão orçamentária para contratação de professores ou servidores técnico-administrativos dentro do Reuni para 2008.
Finalmente pensando no sistema federal de ensino superior, percebemos, analisando os dados de matrícula projetada pelo MEC, para as universidade médias e pequenas, que elas terão muito maior dificuldade de cumprir as metas do Reuni do que instituições como a UFSC. Muitas precisarão crescer até três vezes mais suas matrículas na graduação por falta de uma pós-graduação estruturada. Será que essas universidades ficarão então apenas com o papel de instituições de ensino se distinguindo daquelas instituições de pesquisa? E será que nas instituições de pesquisa todos os centros poderão fazer pesquisa ou alguns serão sacrificados com expansão das matrículas para preservar aqueles cuja matriz demonstra maior produtividade na pesquisa? Evidentemente porque eles dispõem de recursos privilegiados pelo sistema e não por má vontade dos professores que produzem pesquisa com parcos recursos e muitas vezes mantêm com seus próprios salários o material de consumo e equipamentos para manter atividades de ensino e pesquisa!