A situação vivida pelo curso de Serviço Social da UFSC é emblemática. Mais do que o descaso e o sucateamento que atingiram a maioria dos cursos das universidades públicas federais, causando um déficit crônico de professores e servidores técnico-administrativos, o Serviço Social é vítima de uma expansão mal planejada e baseada em promessas que nunca se concretizaram.
A partir de 1999 com a implantação do período noturno na graduação e da criação da pós-graduação em 2001, a falta de professores se agravou a tal ponto que culminou com a entrada em greve dos estudantes desde o último dia 15 de agosto, em protesto contra o déficit de docentes que deixa, no atual semestre, nove disciplinas e 14 turmas a descoberto.
A conclusão que se chega depois do debate Reuni: perspectivas para a universidade pública, promovido pela Apufsc na última terça-feira, dia 28, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, é que o projeto de expansão e reestruturação das universidades federais proposto pelo governo Lula caminha na mesma direção.
Lighia Horodynski Matsushigue, professora aposentada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE) do Andes-SN, destacou, em sua palestra durante o debate do dia 28, as condicionantes impostas pelo decreto 60965/07 de 24/04/2007, que institui o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) para liberar recursos para financiar a expansão planejada pelo governo Lula para as instituições federais de ensino.
O inciso 1º do artigo 2º apresenta como uma das diretrizes do Reuni a “redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno”. Para cumprir essa e as outras diretrizes, o artigo 3º, em seu parágrafo primeiro, estabelece que “o acréscimo de recursos referido no inciso III será limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da universidade, no período de cinco anos de que trata o art. 1o, § 1o”. Não satisfeito com esse limitador, o governo impõe mais um, ao determinar, no parágrafo 3º de mesmo artigo que “o atendimento dos planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação”. Como é pública e notória a prioridade do governo de contingenciar recursos das áreas sociais para garantir o cumprimento das metas de superávit primário e de pagamento de juros da dívida, o Reuni, na prática, representa mais um projeto de expansão da universidade pública sem base concreta e fundamentada para ser executado.
Para a professora Lighia, o Reuni é o ataque mais complexo à qualidade da educação superior pública. “Ele faz parte da reforma universitária, mas, como decreto, tem validade imediata, ao contrário do projeto de reforma, que está parado no Congresso, e na prática pode desmontar um sistema que foi construído com um grande esforço de boa parte de nós”.
O projeto, alerta a docente, quer forçar a universidade a adotar métodos de gerenciamento empresarial, com o cumprimento de metas, desrespeitando a autonomia da instituição. Algumas dessas metas, no entanto, são impossíveis de se alcançar com qualidade de ensino, como a relação de 18 estudantes por professor e 90% de taxa de conclusão de curso.
O prazo e a forma com que o projeto está sendo encaminhado também não permite o debate amplo dentro das universidades. O decreto do Reuni foi publicado no dia 24 de abril. As diretrizes de expansão e reestruturação da Ifes só foi divulgada, de forma provisória, no dia 25 de julho e de forma definitiva no dia 15 de agosto. O prazo para a adesão das universidades era exíguo: 29 de outubro. Tanto que depois de reunião com a Andifes, no dia 23 de agosto, o ministro da Educação, Paulo Haddad, estendeu o prazo para 15 de dezembro.
BIS – O professor de Pedagogia da Udesc, Jeférson Silveira Dantas, destacou outros aspectos controversos do projeto, com a criação do Bacharelado Interdisplinar (BIS), no qual o estudante ingressaria em uma das áreas de conhecimento (Humanas, Artes, Tecnologia e Saúde) e depois de três anos teria direito um diploma do BIS. Obtido essa graduação, o acadêmico teria que concorrer praticamente a um novo vestibular para fazer sua formação específica. Cabe lembrar que o BIS, com outro nome – ciclo básico – já existiu na universidade e não deixou saudades quando foi extinto.
Dantas também destacou que a instituição do BIS não seria nada mais do que escolarizar a graduação. Como o ensino médio público não dá conta da formação do aluno e o ensino privado concentra todos os seus recursos na aprovação no vestibular. A universidade seria encarregada então de suprir as lacunas do ensino básico.
O mestre em Educação ressaltou ainda que o projeto do Reuni fala em assistência estudantil, mas não detalha como ela será ampliada. Cita o aumento dos recursos físicos, mas não explica quais serão os critérios. Para ele, o decreto trabalha sempre na lógica do capital, com a gestão pura e simples de resultados. A universidade estaria ainda mais submetida ao funcionamento do mercado, transformando-se definitivamente num escolão.