O Andes é importante para nós por um motivo evidente: é necessário que os professores de todo o Brasil tenham um sujeito interlocutor nacional, caso contrário estaríamos fracionados, divididos frente a um patrão poderosamente ciclópico. Isto é: necessitamos de uma organização que tenha estrutura, músculos e inteligência para enfrentar tamanha besta fera. A organização nacional de que dispomos hoje é o Andes – e a força que ela possa ter vem de uma única fonte: a de representar de fato as necessidades e vontades da maioria dos professores do Brasil. Para isto, há a necessidade de que ela seja absolutamente democrática, a fim de que todas estas necessidades e vontades possam se expressar, gerando um movimento num sentido principal, semiologicamente e fisicamente falando. O Andes, ao expressar semiológica e fisicamente este sentido, teria uma força análoga – e talvez superior – ao do nosso patrão. Aqui é importante ressaltar: quem dá este sentido somos eu, você e todos os outros professores, inclusive aquele que vai à assembléia dizer que odeia assembléias e que está mais preocupado com seus papers. Nós devemos ser o Andes e não o contrário, que seria o Andes ser nós. O Andes tentando ser nós estaria exatamente na contramão do fluxo daquele sentido falado mais atrás – e a conseqüência lógica disto é que, no limite, o Andes poderia nos dispensar, já que ele seria nós. Aí aconteceria o impasse, pois ele sem nós não seria nada, a não ser um aparelho burocrático que teria suas próprias necessidades, necessidades estas que provavelmente não teriam nada a ver com as nossas necessidades. A isto eu chamo síndrome da lógica do fluxo inverso, também conhecida como “centralismo democrático”.
Em nossa Assembléia do dia 23/08/2007, uma professora disse que a diretoria do Andes, por estar mais próxima dos “acontecimentos” e por estar “mais bem informada da situação” estaria mais apta a indicar o caminho correto para nossas reivindicações, tentando nos convencer de que deveríamos seguir o indicativo que o Andes propunha. Esta professora expressou cristalinamente a lógica do fluxo inverso, o que é raro, pois embora haja muitos que achem que deva ser assim mesmo, por pudores não chegam a verbalizar isto publicamente.
Como ninguém gosta de ser manipulado, o que acaba por acontecer é um vazio no “movimento docente”. Também é triste saber que estas pessoas agem assim de boa fé, inconscientes do quanto sua atitude é reacionária.
Esta forma de agir tem história e já causou suas tragédias. Aqui falo da experiência da revolução soviética, de 1917. Os sovietes eram conselhos, a maior parte deles composto por trabalhadores. Cada fábrica e cada local de trabalho tinham o seu conselho. Durante algum certo tempo, estes conselhos faziam assembléias, decidiam qual a melhor forma de agir e enviavam um delegado para uma plenária de todos os conselhos. Lá, em conjunto, eram avaliadas as necessidades de todos e em seguida eram dirigidas indicações de como e em que direção seria melhor agir. Isto funcionou durante um certo tempo e produziu coisas fantásticas, como a mais moderna legislação civil do mundo (especialmente no que diz respeito à família), permitiu um salto tecnológico e abriu caminho para a expressão em grau máximo da criatividade daquele povo reunido em conselhos, como um cinema de vanguarda (impressionante até hoje), literatura e música da boa, avanços na saúde pública e na medicina, novas expressões artísticas, etc, etc. Isto até que a lógica do fluxo inverso passasse a dominar aquela república dos conselhos, estabelecendo uma forte burocracia centralizadora – o que se deu de forma sangrenta, culminando no stalinismo.
Como observou Cornelius Castoriadis, em “O que significa o Socialismo” (cooperativa e editora fantasma, Porto Alegre, agosto de 1981), o máximo que esta nova organização – que de representante dos conselhos passou a ser os conselhos – conseguiu foi uma paródia do capitalismo, para o qual ela acreditava ser uma alternativa. Acabou, como sabemos, por desabar completamente…
Nossa última assembléia esteve movimentada, o que reflete a grande mobilização que tem acontecido entre os professores da UFSC, com encontros setoriais, troca de e-mails, conversas ao pé do ouvido, manifestações públicas e individuais. Curiosamente, isto de certa forma tem acontecido quase à margem da Apufsc e não diz respeito diretamente à campanha salarial, mas sim sobre como professores gostariam de ser representados. Esta é uma discussão importante e é necessário entrar nela com o coração tranqüilo e a mente aberta, para que se consiga escutar o que este algo novo quer dizer. Talvez com isto nós possamos surpreender o governo federal.
Autor: Henrique Finco – professor do curso de Cinema