O que é isso, professor?
O governo federal, no início de 2007, lançou o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Entre suas ações está o envio do PLP 01/07 ao Congresso Nacional. Este PLP, se aprovado, colocará um limite na folha de pagamentos dos Servidores Públicos Federais por um período de 10 anos: seu crescimento estará restrito à inflação do ano anterior mais 1,5%. Em uma leitura superficial, esta norma parece estabelecer uma política salarial para o funcionalismo público federal. Mas, se analisada de forma mais cuidadosa, vê-se claramente que este projeto de lei estabelece, na realidade, um congelamento dos salários (ou sua redução) por todo este período, pois estes recursos (inflação + 1,5%) suprem apenas as despesas decorrentes do crescimento vegetativo da folha, e nada mais! Como vêem não há uma política salarial, já que não está destinado a atender todo o funcionalismo.
Tudo bem! Isto já é bastante ruim! Mas, na situação em que se encontra a economia brasileira, poderíamos estar bem pior, não? Calma! Tem mais por aí: o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e o BPE (Banco de Professor Equivalente) duas peças chave (já materializadas através de decreto e portaria) inscritas no PDE – Plano para o Desenvolvimento da Educação, lançado pelo governo federal em abril de 2007.
Comecemos pelo Banco de Professores Equivalentes, figura instituída pela Portaria Interministerial MPOG/MEC de n° 22/07 de 30/04/2007. Para compor este banco em cada IFE, o governo atribuiu o valor de 0,5 ponto para cada professor 20 horas, 1 ponto para cada professor 40 horas e 1,55 pontos para cada professor DE. A Ufsc, por exemplo, possui 2561 professores equivalentes. Mas… e daí? O que isso tem a ver com precarização do trabalho docente, sobrecarga de atividades dos docentes? Acontece que a Portaria que instituiu este banco também deu aos reitores a prerrogativa de abrir os concursos para professor que julgarem necessários, sem necessidade de autorização prévia do MEC, desde que não seja excedido o limite do banco de professor equivalente da IFE. Para facilitar a compreensão: digamos que, em um departamento de ensino da UFSC, um professor DE tenha se aposentado, o que equivale a 1,55 pontos do BPE. Sendo assim, ao invés de abrir concurso para outro professor DE, o reitor poderá, a pedido do departamento, optar pela abertura de concurso para 3 professores 20 horas! E por que o departamento faria essa opção? É aí que entra a história do Reuni!
O Reuni (Decreto 6095/07 de 24/04/2007) foi instituído pelo MEC com a finalidade explícita (e a implícita?) de duplicar o número de vagas de estudantes nas IFES, aumentando a relação número de alunos de graduação por professor para 18 (na UFSC esta relação é de 16,9, considerando todos os níveis de ensino). Outra meta é chegar a uma taxa de conclusão média de 90% nos cursos de graduação presenciais, praticamente a famigerada promoção automática já experimentada em outros níveis de ensino. Os estudantes passariam por um tipo de seleção diferente do vestibular (p. ex., o ENADE), disputando o dobro de vagas existentes atualmente na IFE escolhida, para um curso superior de 3 anos, em uma de 4 áreas: Artes, Humanidades, Ciências ou Ciências da Informação, para ao final receber um diploma de Bacharel Interdisciplinar na Área escolhida. Após os 3 anos, caso almeje por uma profissionalização, numa nova seleção disputaria por prosseguir na universidade por mais 2 ou 3 anos. Assim se daria a formação de professores, médicos, geógrafos, físicos, historiadores, advogados… Novamente, analisada de forma aligeirada, a idéia colocada no Decreto que institui o REUNI vem ao encontro de uma antiga reivindicação dos professores: o aumento de vagas nas universidades públicas! Porém, uma interpretação cuidadosa, mostra que o Decreto não assegura recursos financeiros novos, para que essa expansão ocorra com qualidade. O mesmo orçamento do MEC, que já é insuficiente para manter as universidades nos moldes em que funcionam hoje, será disputado por aquelas universidades que apresentarem projetos para o REUNI. Para contratação de pessoal, o acréscimo de recursos “será limitado a 20% das despesas de custeio e pessoal da universidade” (Decreto 6096/07)
Agora, então, vamos juntar as 3 novas diretrizes para a educação superior nas IFES: PLP01/07, Reuni e Banco de Professores Equivalentes. Para que a universidade obtenha algum recurso extra para seu funcionamento terá que aceitar entrar no Reuni (o que deve ser decidido pelo Conselho Superior de cada IFE). Assim, terá que dobrar o nº de turmas, sem que haja aumento correspondente no nº de professores … a não ser que cada professor DE seja trocado, por exemplo, por 3 professores 20 horas, uma vez que vagas novas (o que aumentaria o número de professores equivalentes no BPE de cada IFE) não poderão ser criadas caso o PLP 01/07 (aquele que limita o crescimento da folha de pagamentos, lembra?) seja aprovado!
Viram como sempre dá pra ficar pior?
Mas passemos da teoria à pratica cotidiana. A UFSC, com seu Banco de Professores limitado a 2561 professores, está em plena expansão, não só por Educação à Distância (EAD), mas também presencial. Estão previstos três novos campi. O de Joinville já é assunto na mídia. A expansão parece estar condicionada à realização de projeto nos moldes do programa REUNI, o qual deverá ser apresentado até 28 de setembro de 2007. O Banco de Professor Equivalente já inclui o imenso número de substitutos que hoje garante, não sem problemas, a realização dos semestres letivos dos cursos em Florianópolis. Assim, considerando-se a necessidade de contratações para os novos campi, ocorrerá necessariamente, para a viabilização dos novos cursos, a transformação de vagas de professores doutores DE da UFSC para vagas de professores 20 horas. Paulatinamente veremos o fruto da luta de gerações de docentes, pela dedicação exclusiva e pelo tripé ensino-pesquisa-extensão, esvaziado pela multiplicação de professores em tempo parcial, mal remunerados, e exclusivamente reprodutores do conhecimento em salas de aula. Lembremos que o REUNI se baseia na premissa da ociosidade dos professores hoje na ativa e que estabelece uma proporção de 18 alunos de graduação por professor, ignorando que a maioria dos docentes também têm sob sua responsabilidade alunos de pós-graduação. Então tudo se fecha na precarização do trabalho docente e no desmonte da qualidade do ensino superior público, abrindo um grande e seguro mercado de diplomas para a iniciativa privada. Assim como já ocorreu no ensino fundamental e médio.
E vamos todos continuar fechados em nossas salas, como se nada disso pudesse nos atingir? A atitude característica do avestruz com certeza não é a que se espera dos professores… pelo menos daqueles realmente comprometidos com a qualidade do trabalho docente desenvolvido nas universidades públicas brasileiras!