Com o objetivo de esclarecer os principais aspectos do ingresso de estudantes negros e de escolas públicas a partir do vestibular 2008 da UFSC através do Programa de Ações Afirmativas, aprovado recentemente pelo Conselho Universitário, o Boletim da Apufsc entrevistou o professor Marcelo Tragtenberg membro da Comissão de Ações Afirmativas da UFSC e Coordenador do GT de Etnia, Gênero e Classe da Apufsc. Confira a seguir os esclarecimentos prestados por Tragtenberg:
Boletim da Apufsc – Como o candidato negro ou de escola pública deve proceder, quando for preencher a inscrição, para concorrer às vagas destinadas aos beneficiários do Programa de Ações Afirmativas da UFSC?
Marcelo Tragtenberg – Para concorrer a vagas do Programa de Ações Afirmativas da UFSC, o candidato precisa optar inicialmente por participar do Programa. Em optando, abrir-se-ão três possibilidades: escolas públicas, negros e indígenas. O candidato só poderá optar por uma delas. E para optar por escola pública, será verificado se ele fez todo o ensino fundamental e médio em escola pública. Para optar para negro, será verificado se ele respondeu o quesito cor/raça com as categorias preto ou pardo. Para optar para indígena, ele devera ter preenchido esse mesmo quesito com a alternativa indígena.
Boletim – Um candidato negro que também tenha cursado os ensinos fundamental e médio em escola pública, concorre aos 10% das vagas para negros ou aos 20% das vagas para estudantes de escola pública do Programa de Ações Afirmativas? Como será a distribuição?
Marcelo – Esse candidato só poderá optar por uma das duas alternativas: escola pública ou negros. Ele terá que avaliar o que será mais adequado para ele. Em outras universidades em que existe sistema similar, em geral, ele terá maior probabilidade de ingressar se optar pelos 10% de vagas para negros, mas não e possível saber a priori qual será o mais concorrido.
Boletim – Se um candidato que optar pelo Programa de Ações Afirmativas ficar entre os primeiros colocados aprovados em seu curso, ele ocuparia uma vaga desse Programa?
Marcelo – Sim. As vagas serão preenchidas primeiro pelos 10% de negros, depois pelos 20% de escolas públicas e depois pela classificação geral. Mas os optantes pelo programa de ações afirmativas que tiverem nota no vestibular entre os restantes 70% melhores colocados da classificação geral entrarão também, eles não estão excluídos das outras vagas.
Boletim – Os beneficiários do Programa terão 30% de vagas em todos os cursos?
Marcelo – Depende da aprovação deles. Em principio, haverá em cada curso 30% de vagas voltadas para o Programa. No entanto, e preciso que haja aprovação de 20% de estudantes de escolas públicas e 10% de negros, prioritariamente de escolas públicas ou negros de outro percurso escolar. Se não houver aprovação desses percentuais, as vagas retornam para a classificação geral.
Boletim – Os alunos negros que não são de escolas públicas podem optar pelos 10% de vagas para negros?
Marcelo – Podem. No entanto, a prioridade e dos alunos que estudaram todo o ensino fundamental e médio em escolas públicas. Se estes não preencherem estes 10%, poderão ser classificados alunos de outro percurso escolar, por exemplo, bolsistas integrais de escolas particulares, alunos que pagaram supletivos particulares, ou alunos de escolas particulares.
Boletim – Os alunos que optarem pelo Programa de Ações Afirmativas estarão sujeitos às exigências de pontuação mínima, como no caso da redação, em que o candidato tem que tirar pelo menos nota 3?
Marcelo – Sim. Eles terão que ser aprovados no vestibular. Isso significa ter nota mínima 3 em redaçao e em Língua Portuguesa/Literatura, 20 pontos na soma das outras disciplinas (Língua Estrangeira, Biologia, Geografia, Matemática, Física, História, Química) , não zerar em nenhuma disciplina e nem na soma das questões discursivas.
Boletim – Quem tiver baixa renda e teve bolsa integral em escola particular ou fez supletivo particular pode optar pelas vagas para escolas públicas do Programa?
Marcelo – Não. É preciso ter cursado todas as series do ensino fundamental e médio em escolas públicas.
Boletim – Uma das críticas que se faz à instituição das ações afirmativas é que elimina o mérito do ingresso na universidade. A crítica é procedente?
Marcelo – Não. As ações afirmativas não eliminam o mérito no ingresso a Universidade. Fizemos simulações das ações afirmativas na UFSC e vimos que a nota no vestibular diminui 10% no máximo. Além disso, várias pesquisas, feitas em instituições como Unicamp, Unifesp e Uneb, mostram que, durante o curso, as notas dos beneficiários de ação afirmativa são parecidas com as da classificação tradicional, sendo às vezes maior. Portanto, usar como único critério de mérito a nota no vestibular é equivocado. Vale destacar ainda que simulações realizadas com os dados dos últimos vestibulares da UFSC mostram que nos cursos de alta demanda, os ingressantes pelo programa de Ações Afirmativas (egressos de escola pública) teriam um desempenho no máximo 10% inferior aos candidatos classificados.
Boletim – Haverá divulgação de quais candidatos passaram no vestibular por cotas? O candidato beneficiado pelo Programa será informado que passou por esse Programa?
Marcelo – A lista dos classificados será por ordem alfabética, não será divulgado publicamente quem entrou pelo Programa de Ações Afirmativas ou pela classificação tradicional. No entanto, aquele que ingressar na UFSC pelo Programa saberá se foi beneficiado por ele.
Boletim – Será instituído ou fortalecido o sistema de assistência estudantil (bolsas, moradia, etc.) aos estudantes beneficiados pelo Programa, para que estes consigam permanecer na universidade?
Marcelo – Serão reestudadas as formas de assistência estudantil pela Comissão de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas de forma a beneficiar esses e os estudantes de baixa renda que entram pela classificação tradicional.
Boletim – As deficiências no sistema público de ensino fundamental e médio são conhecidas. Os alunos oriundos da escola pública conseguirão acompanhar o nível de um curso universitário da UFSC?
Marcelo – Atualmente, a UFSC já tem vários alunos nesta condição que cursam regularmente a Universidade. Além disso, a UFSC está fazendo uma experiência abrangente e prudente de inclusão sócio-econômica e étnico-racial. Não podemos prever o desempenho desses alunos, no entanto, avaliações da UFBA, Unifesp, Uneb e Unicamp e as simulações realizadas na UFSC indicam que beneficiários de ação afirmativa têm rendimento similar aos da classificação tradicional, para acompanhar, reprovar ou evadir.
Boletim – O senhor teme algum tipo de discriminação aos alunos beneficiados por ação afirmativa? Há casos registrados em universidades que adotaram sistemas semelhantes?
Marcelo – Talvez ocorram casos isolados, pois será muito difícil saber quem foi beneficiado pelo Programa, sendo de escola pública ou negro optante pelo Programa, pois poderão entrar pela classificação geral. Além disso, quem na primeira chamada entrar por ação afirmativa, na segunda chamada poderá entrar pela classificação tradicional. Por exemplo, seja alguém que entra na segunda opção (Enfermagem, por exemplo) pelos 20% para escolas públicas, mas é um dos primeiros da lista de espera de outro curso (Odontologia ou Medicina, por exemplo), se algum classificado em Odonto ou Medicina não efetuar sua matrícula, o candidato anteriormente classificado para Enfermagem poderá ser chamado para entrar pela classificação geral em Odonto ou Medicina, e deixa de ser beneficiário de ação afirmativa.
Boletim – As regras instituídas para as cotas no vestibular da UFSC serão permanentes ou estarão submetidas a algum processo de avaliação e poderão ser alteradas?
Marcelo – O Conselho Universitário votou a implantação do Programa de Ações Afirmativas por um período de quatro anos, para reavaliação após este período.
Boletim – Que efeitos a instituição do sistema de cotas traz para a universidade e para a sociedade?
Marcelo – Efeitos muito relevantes: vai demonstrar que bons alunos de escolas públicas, negros e indígenas são bem-vindos à Universidade, que ela necessita desta diversidade para melhor formar a todos seus estudantes. Além disto, engaja a UFSC em uma ação que contribui modesta, mas decisivamente, para a justiça sócio-econômica e igualdade étnico-racial em nosso país, tão carente disso.
Boletim – Os alunos do Programa de Ações Afirmativas entrarão em que semestre letivo?
Marcelo – Nos dois semestres. No primeiro, entrarão 10% dos alunos de escolas públicas e 5% dos negros e no segundo semestre o restante.