Como forma de homenagear o professor Raul Güenther, falecido tragicamente no dia 23 de julho, o Boletim de Apufsc publica o depoimento de alguns de seus amigos e colegas na UFSC. Além disso, trechos de uma entrevista concedida ao historiador César Félix em 10 de outubro de 2005 como parte do trabalho de levantamento da memória história do movimento docente da UFSC.
Professor do Departamento de Engenharia Mecânica, Güenther foi presidente da Apufsc por dois mandatos (1980 a 1984), secretário-geral do Andes-SN também por dois mandatos (1982 a 1986), candidato a governador do estado pelo Partido dos Trabalhadores em 1986, além de pesquisador respeitado por todos e reconhecido nacionalmente pelo trabalho desenvolvido na área de Robótica. Sua atuação como professor e sua postura pessoal deixam marcas indeléveis na vida da Universidade.
Apufsc – Grande parte dos dirigentes do Movimento Docente Nacional teve sua origem política e de militância no movimento estudantil. O senhor também veio do movimento estudantil? Como o senhor iniciou sua participação no movimento docente?
Raul Güenther – Não, a primeira assembléia que eu fui na minha vida foi como professor. Eu entrei no movimento docente participando do conselho de representantes da Apufsc. Houve uma eleição no Departamento de Engenharia Mecânica e um professor que depois seria adversário político, o professor Abelardo Queiroz, me lançou como candidato. Houve uma eleição, uma votação. Eu concorri com dois outros candidatos e ganhei a eleição. A partir daí, eu desenvolvi um trabalho de representante, que foi bastante apoiado e reconhecido pelos meus colegas, não só nas questões sindicais mais próximas de salários, mas naquela ocasião também se discutia a transformação das universidades em autarquias especiais. Esse era o mecanismo da ocasião para dar um passo adiante no processo de privatização, e nós resistimos a isso de maneira bem contundente, e participei nesse trabalho como representante.
Aconteceu. Eu acabei entrando para a direção do movimento por uma coincidência histórica, tinha um grupo na Apufsc que fazia essa discussão sobre autarquias e fundações. Lembro de alguns professores que fizeram parte desse grupo: Célio Espíndola, Jorge Lorenzeti, Osvaldo Maciel, Marli Auras, Daniel Hertz e Néri dos Santos.
Havia uma discussão muito consolidada aqui em Santa Catarina, que também que se fazia em nível nacional. Nós propusemos uma discussão com todos os professores da UFSC e foi uma das primeiras vezes, não sei se foi a primeira, que nós paralisamos a universidade para fazer uma discussão num dia. Pensávamos assim: vamos levar essa discussão para os departamentos, vamos parar um dia e pedir reuniões nos departamentos e só depois de ouvir os departamentos, vamos nos posicionar a esse respeito. Para a época, isso já era quase como uma revolução. Isso foi uma coisa muito importante.
Apufsc- Foi motivado por essas discussões que o senhor decidiu entrar para a diretoria da Apufsc?
Raul Güenther – Vou contar essa história porque foi algo muito importante: Fizemos essa discussão, em todos os lugares e também no nosso departamento, mas nosso departamento tinha uma característica especial: era o departamento do então reitor, o professor Caspar Erich Stemmer, que, no entanto, estava licenciado fo cargo da reitoria, porque estava se preparando para fazer concurso para professor titular. Aí fizemos a discussão e por uma coincidência histórica aconteceu o seguinte. Os chefes de departamento daquela ocasião eram nomeados pelo reitor, não tinha eleição. E pela ordem das inscrições, o meu chefe se inscreveu, todo mundo pediu inscrição e eu era o seguinte, bem eu era representante do departamento na Apufsc, então fizemos a discussão, o professor Stemmer foi lá, defendeu a proposta em favor da transformação da universidade em autarquias especiais, ou seja, em fundações. E fui eu quem contra-argumentou, e isso depois foi votado no departamento e foi vencedora a proposta de autarquia, que era defendida pelo movimento docente. Foi um fato histórico. Quando chegamos para relatar na assembléia foi um fato meio impressionante. Na época eu era um menino, tinha 26 ou 27 anos e nossa posição acabou prevalecendo, também em nível nacional. Esse fato me colocou numa posição de o pessoal achar que eu tinha de participar da chapa seguinte. Eu acho que a minha entrada para o movimento docente foi devido a esse fato, eu atribuo a isso.
Apufsc – O senhor foi dirigente da Apufsc por dois mandatos, ficando na direção em 1981 com o afastamento do professor Osvaldo Maciel?
Raul Güenther – Foi. Nós assumimos a diretoria da Apufsc no dia 15 de outubro de 1980, em 5 de novembro veio a greve. A primeira greve nacional que fizemos. Quando a greve foi deflagrada o professor Osvaldo Maciel, que era o presidente eleito da Apufsc, pediu licença temporária, para poder participar da coordenação nacional. Ele já era uma figura importante e a Apufsc também. Aconteceu que logo na seqüência dessa greve, a gente criou a Andes – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – e o professor Maciel assumiu como primeiro presidente da entidade, licenciou-se da Apufsc por um tempo maior, na verdade, ele só assumiu outra vez num pequeno período, quando eu me candidatei à presidência da Apufsc, aí eu tinha que me afastar para concorrer e ele reassumiu. Então eu fui eleito e voltei, quer dizer, eu fui presidente da Apufsc praticamente por dois mandatos, um como vice do Maciel, mas de fato em exercício, e depois de 1982 a 1984, como presidente eleito. Em 1984, me afastei da Apufsc e assumi a secretaria geral da Andes, onde fiquei até 1986. Então, na verdade, foram dois mandatos na Apufsc e dois mandatos na Andes, sendo que um foi com superposição, pois quando eu fui presidente eleito aqui, também fui primeiro secretário da Andes. Depois que eu foi só secretário-geral num mandato que acabou em maio de 1986. Depois disso veio a época que eu fui candidato a governador pelo Partido dos Trabalhadores em Santa Catarina, ainda no ano de 1986 e em 1987, eu ainda fiquei aqui, mas em 1988 fui fazer meu doutorado e a minha militância ficou mais esparsa.
Apufsc – Essa seqüência de acontecimentos externos à Apufsc colaborou para o seu afastamento da associação, ou o senhor se afastou por uma compreensão política outra?
Raul Güenther – Foi por um entendimento meu. Nunca exerci a atividade sindical profissionalmente, até porque nem era sindicato. O Andes não era sindicato. A Apufsc não era, e naquela época participamos muito de uma renovação do movimento sindical, discutimos muito isso e existia um grande sentimento de que tinha que haver uma renovação no sindicato. Na época, a gente lutava para mudar pessoas que estavam há 20 anos e hoje eu vejo em alguns sindicatos as pessoas com quem eu lutei para mudar elas continuam também, faz 20 anos.
Apufsc – Isso acontece isso na Apufsc também?
Raul Güenther – Não, na Apufsc é diferente. Lá o sujeito voltou, não é que ficou.Inclusive, quando nós criamos a Andes, isso foi uma grande discussão no primeiro congresso. O resultado foi que no primeiro estatuto, nós estabelecemos a cláusula que só podia ser reeleito uma vez. Você tem que dar um tempo, de um mandato e voltar. Mas nós tínhamos a compreensão que o sindicalismo não podia ser uma atividade profissional, porque isso era uma coisa que nos afastava da categoria, então eu fiz de fato, em 1986, a minha opção, digo “agora está encerrado essa parte” e foi só aí que fiz meu doutorado, que até então não tinha feito.
Apufsc – Em 1980 e 1981 aconteceram duas greves vitoriosas aqui na UFSC, o senhor participou ativamente das duas. A história nos mostra uma participação muito importante dos professores colaboradores nesse processo de luta. Pergunto: os professores colaboradores eram como os substitutos hoje ou existia uma relação de trabalho diferente? Qual a diferença?
Raul Güenther – Não se fazia muita distinção entre professor auxiliar e professor colaborador. Era quase a mesma categoria tanto no tratamento, quanto na remuneração. Os professores colaboradores tinham uma condição muito melhor que os substitutos de hoje. O problema é que eles não eram do quadro efetivo. Eu entrei na universidade como professor colaborador também, existiam muitos colaboradores. Acontece que nós vivíamos numa época de ditadura, ninguém se sentia muito estável, então eu acho que mesmo a diferença entre auxiliares e colaboradores não existia, podia até existir formalmente, mas como no período da ditadura ninguém era estável, todo mundo se sentia ameaçado. Então a gente se sentia iguais aos outros. E uma grande parcela, eu não posso te precisar, mas uma grande parcela do corpo docente era feita por colaboradores, por pessoas que não eram do quadro e a característica do movimento era que ele era feito em grande parte pelo pessoal mais novo na universidade, com o apoio e a participação dos mais velhos. Porém, os mais novos é que botavam energia nisso tudo.