Nesta entrevista feita por e-mail, o pesquisador João dos Reis Silva Júnior, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fala sobre a pesquisa que desenvolve com Valdemar Sguissardi que busca identificar as mudanças do trabalho do professor universitário pesquisador depois do início da Reforma do Estado em 1995, até os governos Lula, “período marcado por uma única racionalidade histórica”.
Ele diz as IFES brasileiras são “uma das melhores empresas prestadoras de serviços públicos e privados com os melhores profissionais do mercado, alguns alienados, outros não, mas todos adoecendo em função da intensificação do trabalho imposto pela reforma em movimento e a conta-gotas pelos governos FHC e Lula”.
João dos Reis é Doutor em História e Filosofia da Educação pela PUC-SP com Pós-Doutoramento em Ciências Políticas pela Unicamp e autor de diversos livros e artigos publicados no Brasil e no exterior, entre os quais Novas Faces da Educação Superior no Brasil – reforma do Estado e da Produção, com Valdemar Sguissardi (Ed. Cortez, 2001), Trabalho e Formação: uma abordagem ontológica da sociabilidade (Ed. Xamã, 2001) e Reforma do Estado e da Educação no Brasil de FHC (Xamã, 2003).
– Quais as principais constatações do estudo?
– Os resultados ainda são parciais, mas já se pode indicar: 1) indução do auto-financiamento das IFESd+ 2) a formação do cotidiano da IFES do professor empreendedor, que corre atrás do financiamento para poder trabalhar, desobrigando o estado de seus deveresd+ 3) não se pode falar mais em autonomia universitária. Podemos falar numa contradição, autonomia e seu pólo antitético a heteronomia. De um lado, o Estado privilegia e tutela a dimensão produtiva da instituição universitária que interessa ao seu projeto político, e de outro, quem pauta a pesquisa é a iniciativa privada. Somos uma das melhores empresas prestadoras de serviços públicos e privados com os melhores profissionais do mercado, alguns alienados, outros não, mas todos adoecendo em função da intensificação do trabalho imposto pela reforma em movimento e a conta-gotas pelos governos FHC e Lula.
– Medidas como REUNI, Universidade Nova e professor-equivalente podem agravar a situação?
– Sem dúvida, pois a proposta traz em seu núcleo um movimento de neoprofissionalização da instituição universitária, acentuando e legalizando o que já vem ocorrendo. Novamente, com graves conseqüências para o movimento docente, pois a carga horária docente subirá muito e as atividades de pesquisa e prestação de serviço precisam ser feitas para manter a universidade em movimento.
– Essa situação é típica do Brasil ou acontece em outros países?
– Este é o processo de Bologna brasileiro e está em pauta na maior parte dos países do mundo, em geral com outras condições sócio-econômicas diferentes da perversa concentração de patrimônio e renda existente no Brasil. Em acréscimo, o Sr. Eduardo Guimarães nos quer comparar com a Coréia do Sul, Estados Unidos etc. É de rir de nossa desgraça.
– O senhor fala em alienação e desumanização do pesquisador. Por favor, especifique os significados que esses termos assumem no seu estudo.
– Toda atividade humana, por mais simples e comezinha, tem uma finalidade e envolve conhecimento acumulado ao longo da vida do sujeito que realiza tal atividade. Portanto, nessa atividade, encontra-se, concretamente, seu conhecimento da realidade que o próprio ser humano construiu, e em geral grande parte das sociedades não tem consciência desse processo e não se reconhece no outro para quem a meta de sua atividade realizou-se. Nesse processo, não se reconhece a si mesmo. O trabalho do professor, por mais complexo que seja, por maior acúmulo que tenha, passa pelo mesmo processo. Ele pode não reconhecer seu vasto saber no seu trabalho, nem para quem foi feito e, portanto, não se reconhece a si mesmo como professor e pesquisador. Isto é muito ruim no plano político, pois tal movimento lhe tira a identidade e dificulta sobremaneira a organização do movimento docente na direção de uma universidade brasileira cuja identidade seja uma contradição. De um lado, contribui para o crescimento econômico e a cimentação ideológica do pacto social estabelecido, de outro, é crítica institucional de seu tempo histórico, e, sobretudo, de seus próprios objetivos sociais.