Reengenharia universitária: antes tarde do que nunca!

Após a publicação do Decreto Federal no 6.096/07 do REUNI, leia-se “Universidade Nova”, o governo quer que as Instituições Federais de Ensino Superior – IFES que ingressarem no REUNI atinjam, nos primeiros cinco anos, aumento expressivo de matrículas (especialmente as do noturno), relação professor/aluno de 1/18, taxa de conclusão média de 90%, justificando tudo isso pela  “ampliação do acesso e permanência na educação superior pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes” (Art. 1° do Decreto citado).

Certamente a grande maioria dos docentes, que está com excesso de atividades didáticas e/ou administrativas, acreditou como contrapartida a necessidade de haver reposição dos cargos vagos e ampliação do quadro de docentes e técnico-administrativos.  E o governo, ciente de que a premissa (Art. 1º do Decreto federal n° 6.096/07) não era verdadeira, em seguida editou a portaria interministerial no 22 de 30/04/2007, seis dias depois do Decreto de 24/04/2007.

A referida portaria estabelece o banco de professores-equivalente que corresponde à soma dos professores de 3o grau,  efetivos e substitutos,  em exercício na universidade, expresso em unidades de professor Adjunto 1, nível I, no regime de 40 horas semanais.  Os docentes efetivos em regime de dedicação exclusiva serão multiplicados pelo fator 1,55d+ já os docentes efetivos em regime de 20 horas serão multiplicados por 0,5. Os docentes substitutos serão computados na seguinte proporção: 20 horas – 0,4 e 40 horas – 0,8.

No anexo da supracitada portaria pode-se verificar que a UFSC possui 2.561 professores-equivalente e todas as IFES 73.668.  Até este limite o reitor está autorizado a nomear ou contratar a qualquer momento e em qualquer regime de trabalho (é importante aqui lembrar que o Decreto no. 6097/07, editado juntamente com os demais decretos que dão conseqüência legal aos projetos do PDE, dá poderes ao reitor para contratar ou demitir professores efetivos ou substitutos  “observado o limite que cada instituição se encontra autorizada a manter em seu quadro docente, conforme norma conjunta dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Educação”).  Assim os reitores, pressionados pela sociedade e pelo MEC para ampliar as matrículas, em contrapartida de novos recursos (da ordem de no máximo 20% dos atuais), caso haja disponibilidade orçamentária no ministério (vide Decreto no 6.096/2007),  tenderão a nomear ou contratar pelo regime de trabalho que ocupe o menor número de professores-equivalente, ou seja, substituto ou efetivo 20 horas já que valem 0,4 e 0,5 professor-equivalente, respectivamente.  Supondo que existam ou venham a vagar cargos em regime de dedicação exclusiva,  cada cargo poderá ser preenchido por quatro professores substitutos 20 horas ou três professores efetivos 20 horas. Todos sabem que os professores 20 horas lecionam entre 10 e 12 horas-aula semanais e um professor em regime de dedicação exclusiva leciona 8 a 10 (quando muito 12) horas-aula semanais.  Percebe-se, assim, que a Universidade pode ampliar em 300% as matrículas com redução de gastos com salários, visto que o substituto 20 h não recebe ¼ do salário do professor em regime de dedicação exclusiva. Considerando essa relação, é viável duplicar as matrículas no nível de graduação, pois haveria professores suficientes para atender essa nova demanda em sala de aula.  Porém deve-se questionar, como hoje já se questiona, a qualidade de ensino quando um professor com dedicação exclusiva é substituído por um colega no regime de 20 h. Evidentemente o nível de comprometimento que este professor poderia ter com o curso teria que ser menor, já que para sobreviver teria que ter outros empregos. Quantas horas esse docente dedicaria à pesquisa e atualização caso precisasse trabalhar de manhã na universidade e à tarde e à noite em outras instituições de ensino, percorrendo muitas vezes distâncias de mais de 100 km entre elas? Estarão as instâncias responsáveis pelas políticas educacionais considerando que o professor de graduação deva ser apenas um reprodutor de conhecimentos, adquiridos antes de começar a dar aulas?  Pois com um regime de 20 h em cada instituição, um professor não terá sequer condições de se atualizar, como já ocorre com a maioria de nossos colegas do ensino médio e fundamental! Uma política educacional que vise à qualidade deve melhorar as condições de trabalho dos professores desses níveis de ensino e não rebaixar nossa condição de trabalho a deles. Com o regime de trabalho de 20 h e baixos salários vislumbra-se ameaçado o tripé ensino, pesquisa e extensão.  Mais do que armazenar informações na memória, as pessoas já na tenra idade deveriam ir à escola para aprender a aprender. E só pode ensinar isso o professor que segue aprendendo em sua vida profissional.  

Se nesta análise adicionarmos a pretendida reestruturação  universitária por ciclos (Universidade Nova), e a conseqüente implantação dos Bacharelados Interdisciplinares (BI), as divisórias entre salas de aula certamente serão desmanchadas para que um professor possa se ocupar de turmas maiores. Assim, o número de matrículas pode aumentar ainda mais! 

Outra conquista histórica do movimento docente está em perigo: a dedicação exclusiva para os docentes em efetivo exercício.  Não custa lembrar que desde a era Paulo Renato, volta e meia (inclusive o PL 7200/2006) aparecem propostas para flexibilizar a dedicação exclusiva (DE) e concedê-la apenas em casos específicos. Isto já acontece nas universidades estaduais do Paraná. Este aspecto fecha com chave de ouro o processo de reengenharia das universidades federais brasileiras.  Novamente recorrendo a um exemplo extremo: na UFSC existem aproximadamente 1600 professores em regime de DE. Retirando-lhes a DE poderiam ser contratados mais 2200 professores substitutos 20 horas semanais!

Não sejamos tão terroristas!  Vamos supor que se retire a DE apenas dos professores não “produtivos” e/ou dos departamentos que não tenham tradição em pesquisa ou não façam pesquisa para o mercado ou não tenham cursos da “elite universitária” ou não sejam “centros de excelência”:  quantas vagas poderiam ser “criadas”?  As últimas estatísticas disponíveis dão conta de que há 41.000 docentes efetivos em regime de dedicação exclusiva nas IFES. No limite, retirando-se a DE poderiam ser contratados mais 56.300 professores substitutos 20 horas sem gastos adicionais significativos e não ferindo o limite do banco de professores-equivalente (ver anexo da Portaria Interministerial n° 22).  Quantas novas matrículas poderiam ser abertas?

Agora se compreende o porquê do decreto do REUNI (no 6.096/07) prever recursos adicionais, na rubrica de despesas de custeio e pessoal, em apenas 20% (no máximo – ver §1° do art. 3° do decreto 6.096/07).  Este percentual representa apenas a estimativa da inflação e o crescimento vegetativo da folha decorrentes de aposentadorias e evolução na carreira. Vê-se, assim, coerência com o PLC no 01/2007 que congela os salários do funcionalismo nos próximos 10 anos.  Ou seja, é o setor da educação dando sua cota de sacrifício com o ajuste fiscal e o PAC!

O 26o Congresso do ANDES-SN foi muito feliz ao escolher como centralidade da nossa luta a reconstrução da unidade dos trabalhadores para enfrentar as velhas reformas do novo governo, uma vez que o que se vê nas mudanças propostas pelo governo Lula nada mais é do que velhas fórmulas com novos rótulos!   O ataque à Universidade Pública Brasileira, que tem sua qualidade intrinsecamente ligada à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, vem agora travestido de REUNI e banco de professor-equivalente!  O crime contra a juventude brasileira através da implementação dos cursos universitários aligeirados, a espoliação do povo brasileiro através do ataque à pesquisa desenvolvida nas IFES com o incentivo ao fim do regime de DE, o fortalecimento da precarização do trabalho docente através da quebra do tripé ensino-pesquisa-extensão: eis o panorama da barbárie a se instalar na universidade pública brasileira. 

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Este texto é uma contribuição ao Anexo ao Caderno de Textos do 52º Conad (Tema II – Avaliação e atualização do plano de lutas: educação, direitos, item 1 – Plano de Lutas –  Educação)