Estamos já no final de julho, e nesse ano teremos eleições na UFSC. Eleições podem ser realizadas politicamente ou não. Pelo andar do cortejo dos contentes, novamente teremos outra eleição sem política. Digo isso, primeiro, por entender que a ação política implica atos e decisões comprometidas com o coletivo, conscientes da sua coletividaded+ segundo, por perceber que na nossa universidade as instâncias de decisão, as escolhas e as ações, todas, estão fundadas em interesses e grupos particulares, quando não individuais. Bem, já ouço alguém dizer, “Essa é a sua concepção de política!”. Concedo, sem estar convencido. Ademais, outro poderia redargüir: “Essa é uma casa do saber, da ciência e da técnica, logo, as nossas ações e decisões não são prioritariamente políticas”. Embora anteveja o olhar de aprovação e o baixar de cabeças para esse argumento, isso não rebaixa a minha pretensão de que falta política e sobram negócios na nossa universidade.
Todavia, para efeitos de argumentação, levanto a questão acerca de como está a “política” da nossa “cidade” universitária. Bem sabemos, a nossa comunidade de trinta mil pessoas está constituída por três formas de pertencimento legítimas: estudantes, funcionários técnico-administrativos e funcionários docentes. Embora se diga que a nossa cidadela exista apenas para os estudantes, na real a nossa clientela é bem outra, e a Cinderela agora seja a pesquisa que interessa às grandes corporações. Além disso, não importa o que se diga, cidadãos não somos! Por isso, faz sentido perguntar: qual é a forma de decisão das diferentes instâncias de exercício do poder coletivo na UFSC? De que forma são identificados e escolhidos os ocupantes dos cargos de representação daqueles segmentos nos diferentes colegiados, conselhos e câmeras? Sabemos bem a resposta: às pressas, com pouca divulgação, com pouquíssima informação sobre o papel político desses cargos. Outra pergunta: como são escolhidas as chefias, as coordenadorias, as diretorias, reitorias e demais cargos executivos? Do mesmo modod+ apenas com o agravante de que em geral não há eleição, propriamente falando, pois em geral temos chapa única ou chapas combinadas por pequenos grupos. Tudo é feito para que não haja participação da totalidade das pessoas envolvidas. Simplesmente, com raras exceções, as nossas eleições desencadeiam-se ao modo de uma rotina que não deve e não pode incomodar ninguém! O mais grave, porém, está na estrutura de colegiados, câmaras e conselhos, as instâncias responsáveis pela vida universitária. Como mal sabemos, a UFSC é uma cidade cujas instâncias de poder são todas elas coletivas: os nossos “chefes” não detêm o poder, pois, pela lei, eles têm de submeter suas decisões e ações, sempre, aos Colegiados, Câmeras e Conselhos. Além disso, esses órgãos coletivos são também as instâncias de recurso contra as decisões desses pretensos chefes. Nisso estamos bem. Porém, porém, a composição dessas instâncias é clara e explicitamente anti-política e anti-democrática. Isso pode ser visto na composição do Conselho Universitário, o órgão máximo. Ali estão assentados os representantes de todos os segmentos, mas, a maioria tem cargo de chefia, ou representa alguma chefia. Logo, tudo menos justiça política cidadã. A metáfora disso tudo é dada pela relação entre a direção daquele centro e aquela fundação: os contratantes são os contratados, os chefes são os juízes, os vigilantes são os próprios vigiados, os que recebem são os que dão. Assim é que na “nossa” instituição se desinterpreta e se desrealiza a “democracia direta”.
Mas, isso não é nada. Pois, o reverso disso, a assim chamada estrutura de oposição, é ainda pior. O modo de decisão do sindicato dos professores, acerca das questões graves, ilustra claramente a falta de vontade política que nos assola, modo esse que foi adotado pelo DCE e pelos CAs: primeiro, convoca-se uma assembléia às pressas, para um local que sabidamente não comporta mais do que vinte por cento do coletivo envolvidod+ segundo, decide-se pelo coletivo, mesmo quando o número de presentes está abaixo de três por cento. (Por exemplificar: o CA da Filosofia representa mais de trezentos alunos, mas convoca sua assembléia para uma sala onde não cabem nem vinte pessoas para um horário em que nenhum dos turnos está na universidade.) Esse modo de decisão tem sua origem nas estratégias de sobrevivência dos grupos de guerrilha. Não é, de modo algum, um jeito democrático ou político de tomar decisõesd+ pois, por definição, ele prescinde da política e da consulta pública. Um sindicado, um DCE ou CA, deveriam ser exemplos de democracia direta. Na UFSC, tais instâncias políticas funcionam tal como as estâncias gaúchas: o dono decide, o resto obedece! Então, que as ações desencadeadas pelos Sindicatos e pelo DCE sejam destrutivas, não é de espantar. Vide o caso das invasões e das greves irresponsáveis. Essas ações, embora cabíveis dentro das estratégias de defesa de direitos, são estritamente atos de destruição da institucionalidade. Logo, somente deveriam ser ativadas em casos extremos. Não é o que vemos aqui. Como bem sabemos da história: atos de defesa também podem ser atos de autodestruição. Quando um sindicato se vangloria de, a cada ano, impor à comunidade uma greve mais longa, estamos na fase do excesso: a fase em que o corpo mata-se para livrar-se do mal que o aflige. Agora, tal modo de tomar decisões coletivas é tão somente a expressão do modo como nos constituímos como coletividade, a saber, de modo apolítico.
As eleições da UFSC vêm aí. Quem pode nos responder, antes de pretender ser candidato: Com o que e com quem está comprometido? Qual projeto de futuro para a universidade, qual modelo de gestão, qual política interna, qual política externa? O que entende por universidade, quais prioridades no ensino? Que tipo de relação com a comunidade? Que tipo de soluções para os nossos problemas? Que estratégia concreta e palpável para minorar as diferenças entre as unidades da UFSC?
Depois de ler alguns chamamentos de adesão, desconfio que votaremos sem saber as respostas dos candidatos. Teremos a chapa do empreendedorismo empresarial hi-tech financiado pelo dinheiro público, o renovado cubismo chavista financiado pelo dinheiro público, e ainda a esquerda histórica humanista financiada pelo dinheiro público. A única unanimidade é dúplice: esconder a filiação partidária e esconder as reais opiniões sobre a universidade. Afinal, quem ousaria travestir-se com as bandeiras partidárias nesses dias nefastos? Quem ousaria dizer pública e claramente o que pretende fazer quando estiver na Reitoria? Quem seria político o suficiente para vir a público comprometer-se com uma linha de ação e de decisão? Nenhum, ninguém.
Isso significa que o mínimo denominador comum das pré-tensas chapas é a despolitização do processo de eleição da nova administração da universidade. Na verdade, isso reflete e confirma a atitude das grandes maiorias dos três segmentos, ausentes das assembléias e alheias aos destinos da universidade, afastadas inclusive dos propósitos da vida universitária, e que elegerá a nova administração. Por isso tudo, seria equivocado dizer que na UFSC a política é sem vergonha. Não, isso não. Aqui a política tem vergonha, de aparecer. A minha ilusão é que, na “hora da chamada”, não se repetisse aquela cena tão corriqueira na cidade universitária:
– E a Política?
– Faltou.
– Não importa, temos a Técnica, a Pesquisa, a Extensão, o Mercado, o Partido, a Indústria e as Fundações! Podemos decidir sem ela.
– Mas, e a Maioria simples, e os Alunos, e a Comunidade?
– Mesmo que viessem, não haveria lugar para tanta gente. E, se não compareceram, é porque concordam. Vamos decidir logo.
– E o Debate público e a Discussão com a sociedade?
– Assim é demais, caro professor, nada de democratismo, isso aqui é uma casa regida pela Meritocracia! Por acaso a lei da gravidade foi decidida numa assembléia ou numa pesquisa de opinião pública?