Decidido: cotas na UFSC em 2008

O Conselho Universitário da UFSC reuniu-se em sessão histórica em 10 de julho de 2007 e aprovou por unanimidade o princípio das cotas. Ele foi convocado extraordinariamente para discutir o Programa de Ações Afirmativas elaborado pela comissão institucional designada para tal fim em abril de 2006, com relato da professora Viviane Heberle, diretora do Centro de Comunicação e Expressão. O objetivo foi discutir a proposta para implantação a partir de 2008d+ daí, a excepcionalidade da convocação no meio da greve de técnico-administrativos. Entendemos que, com essa convocação, a administração central se mostrou sensível à necessidade da universidade pensar urgentemente em ações afirmativas. Vale dizer que havia um contexto regional de mobilização de outras universidades federais que nos parece ter atuado em favor dos encaminhamentos aqui na UFSC, como a deliberação pela adoção de cotas no Consun da UFRGS em 29 de junho e a previsão de decisão na UFSM para o dia 13 de julho – que também  aprovou Programa de ações Afirmativas para 2008. Ao aprovar as cotas, a UFSC exercitou sua autonomia em refletir e agir sobre a formação do seu corpo discente, mostrando que as universidades que pensam a diversidade, presente na sociedade como um aspecto a ser dimensionado no âmbito de sua política acadêmica de ingresso e permanência, torna desnecessário o estabelecimento de lei federal sobre o assunto.

A necessidade de promover acesso com diversidade socioeconômica e étnico-racial foi reconhecida pela instância deliberativa máxima de nossa universidade. No que respeita ao ingresso nos cursos de graduação, o Programa de Ações Afirmativas que definiu a reserva de 20% das vagas de cada curso/turno da UFSC para estudantes oriundos do ensino fundamental e médio público, foi aprovado por unanimidade. 10% das vagas de cada curso/turno foram reservadas para estudantes negros (pretos e pardos), prioritariamente de ensino fundamental e médio públicos, por 24 votos a 9. Caso estes 10% não sejam preenchidos pelos estudantes negros de escola publica, poderão ser completados por estudantes negros de outra origem escolar. Igualmente, foi decidida a criação de cinco vagas reservadas para indígenas a partir de 2008 e seu aumento em uma vaga ao ano até o ano de 2013. Os indígenas classificados no vestibular poderão escolher qualquer curso da UFSC, mas estarão limitados a ocupar no máximo duas vagas  por curso. Tanto os cotistas de escola publica quanto os negros e indígenas precisam ser aprovados no vestibular e cumprir as exigências de nota mínima, não zerar em nenhuma prova ou questão dissertativa e nota mínima 3 nas provas de português e redação. Haverá fiscalização dos candidatos que entrarem pelas cotas com exigência de histórico escolar e de confirmação de pertencimento étnico-racial. Os detalhes do funcionamento da deliberação do CUn serão divulgados brevemente, mas baseiam-se na proposta da comissão institucional, que pode ser encontrada na pagina www.acoes-afirmativas.ufsc.br.

Além da proposta de reserva de vagas, foram aprovadas medidas complementares como políticas de preparação para o acesso, de permanência, constituição de um banco de dados com o registro dos egressos e sugestão aos cursos de aumento de vagas e cursos noturnos, conforme proposta da comissão institucional, endossadas pela relatora.

Todas estas medidas indicadas pela comissão, que constituíram o relato no CUN, têm sustentação num conjunto de elementos de diferentes ordens, do contexto interno e externo da UFSC. Há uma conjuntura internacional marcada pela Conferência de Durban contra o Racismo e outras formas de intolerância em 2001 e um contexto nacional de universidades públicas que têm aprovado ação afirmativa para ingresso desde 2002. São hoje cerca de 18 federais e 19 estaduais. 

Há também uma discussão interna, cujo início remonta a 2001 no debate “Cotas para Negros na UFSC”, definido a partir do Encontro de Professores durante a greve daquele ano. Em 2002, foi criado o grupo de trabalho de Etnia, Gênero e Classe da Apufsc, que colocou em discussão ações afirmativas para negros e indígenas e sua implementação em outras universidades públicas brasileiras, entre outros assuntos. Foi por solicitação deste GT que foi incluído pela Comissão Permanente de Vestibular (Coperve), na inscrição ao vestibular e pela PREG no sistema de matrícula de graduação, o quesito cor/raça em 2002. A partir deste quesito, elaborou-se o diagnóstico étnico-racial dos vestibulandos, aprovados e veteranos da UFSC. Esses dados permitiram que membros do GT e colaboradores realizassem um estudo cujo resultado mostra que se houvesse duplicação de vagas na UFSC não mudaria seu perfil sócio-econômico e étnico-racial. O mesmo estudo aponta que se houvesse reserva de 50% das vagas da UFSC para oriundos do ensino médio público, não mudaria seu perfil étnico-racial, contrariando o senso comum de que a questão racial está contida na econômica. Esse trabalho foi publicado nos Cadernos de Pesquisa de maio/agosto de 2006, revista Qualis A internacional da área de educação, conforme classificação da Capes e contou com o apoio da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação e da Apufsc.

Entretanto, foi no I Colóquio Pensamento Negro em Educação, em fevereiro de 2006, promovido pelo Núcleo de Estudos Negros (SC), que a instituição assumiu o compromisso com a discussão e adoção de ações afirmativas, a partir de uma provocação de Frei David Raimundo dos Santos, ativa liderança do Educafro (RJ), rede de pré-vestibulares para estudantes negros e de baixa renda. Em abril de 2006, o reitor constituiu uma comissão institucional para discutir a questão do acesso com diversidade, composta por representantes de cada Centro, do movimento social negro e indígena, sindicatos da UFSC, DCE, Secretaria de Estado da Educação e Coperve. 

Um documento preliminar foi distribuído pela comissão aos centros para discussão em seminário universitário, em conselhos departamentais, departamentos, em reunião com os gestores (diretores de centro, chefes de departamento, coordenadores de curso) e em debates públicos. A partir disso, foi construída uma proposta enviada pelo reitor ao Conselho Universitário e rediscutida nos centros e departamentos interessados. 

A aprovação histórica desta medida, indiscutivelmente benéfica à diversidade na UFSC, contou com uma visita imprevista: Frei David, com cerca de 15 professores e alunos de uma escola publica de Luzerna (próxima de Joaçaba), viajaram 480 km para trazer sua opinião favorável às cotas e assistir em Florianópolis a discussão e deliberação do Conselho Universitário sobre Ações Afirmativas na universidade. Decidida a posição favorável da UFSC, o heróico grupo voltou exultante para sua cidade, com a certeza que fizeram parte de um momento de luta por maior igualdade e justiça social e racial. Foram 960 km de vitória em menos de um dia.

Estiveram presentes no hall da Reitoria também outros representantes da sociedade civil organizada, o que marca o compartilhamento das responsabilidades implicadas numa decisão desta natureza: a direção e membros do Núcleo de Estudos Negros (SC)d+ do Movimento Negro Unificado (MNU)d+ representante da Unegro, professoras da rede estadual de educação de Santa Catarina e a vereadora Ângela Albino. 

A implantação do Programa de Ações Afirmativas da UFSC responde não apenas às demandas históricas dos grupos excluídos do acesso à educação no Brasil, mas às deliberações políticas de âmbito internacional e nacional amplamente debatidas – das quais, infelizmente pouco tem participado a maioria dos acadêmicos – e que operam na perspectiva da universidade como espaço responsável de construção da democracia na  sociedade.