O sistema de Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social) é superavitário. O desequilíbrio está no orçamento fiscal e não no orçamento da Seguridade Social ou nas contas da Previdência Social. Não é a seguridade que recebe recursos do orçamento fiscal e sim o contrário: valores substanciais da Seguridade Social são utilizados para bancar a política econômica de gastos financeiros elevados, resultado da prática de taxas de juros muito altas, precarizando serviços essenciais à sobrevivência da população.
As conclusões são da professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, que no dia 27 de junho participou do seminário Previdência Social Pública e Fundos de Pensão, promovido pela Apufsc e o Sintufsc. O evento contou também com a participação de Floriano José Martins, ex-presidente da Anfip (Associação Nacional dos Fiscais da Previdência) e auditor aposentado do INSS.
No primeiro momento do seminário, Floriano versou sobre as sucessivas alterações nos diferentes regimes da Previdência ao longo dos últimos anos, alertando aos professores, servidores e futuros contribuintes que se faziam presentes, sobre as indigestas repercussões das últimas reformas da Previdência em suas vidas após a aposentadoria, na grande maioria dos casos.
No segundo momento, Denise apresentou, em uma linguagem acessível, dados que publicou em sua recente tese de doutorado em Ciências Econômicas sobre a auto-sustentabilidade do modelo previdenciário brasileiro, o que conflita com o pensamento aleardeado pela grande parte da mídia nacional.
Entre seus dados destacam-se as volumosas fatias do orçamento da Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência Social) que são desviadas, do custeio ou financiamento de setores constitucionalmente elencados, como saúde e assistência social, para os mais diversos gastos através da Desvinculação das Receitas da União – DRU (já regulamentada em governos anteriores) e para fins outros como o pagamento dos juros da dívida pública. Mesmo com a transferência de volumosos recursos da Seguridade Social para outras finalidades, Denise mostra que não há déficit no setor e sim superávit (veja quadro abaixo).
A professora explicou a mistificação em torno do suposto déficit da Previdência Social, calculado através da manipulação dos números, sem nenhuma base legal. Segundo Denise, a única maneira correta de se calcular receitas e despesas da Seguridade Social é levando-se em conta o que diz o artigo 195 da Constituição Federal, que estabelece que a área deve ser financiada pelas contribuições ao INSS, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), CPMF e pela receita de Concursos de Prognóstico (loterias). As despesas são compostas pelos benefícios previdenciários, pessoal, custeio, dívida e benefícios assistenciais.
Com base nos preceitos constitucionais, a professora da UFRJ demonstra que a Seguridade Social é superavitária. Em 2006, por exemplo, o superávit, antes do repasse da DRU, foi de mais de R$ 50 bilhões. Depois da DRU, o número cai para 17 bilhões de reais (veja quadro). De 2000 a 2006, o superávit chega a R$ 283 bilhões. Tirando a DRU, o superávit ainda é significativo: R$ 121 bilhões.
Os dados levantados pela professora Denise para sua tese de doutorado demonstram ainda que o governo vem desviando da Seguridade Social mais do que os 20% da DRU. Desde 1995, o governo federal já desviou R$ 145 bilhões da Seguridade Social, além do legalmente estabelecido pela Desvinculação das Receitas da União (veja tabela ao lado). Mesmo assim, o setor apresentou números positivos durante o período.
Ao apontar que os defensores das sucessivas reformas que vêm retirando direitos dos trabalhadores utilizam uma metodologia de cálculo que não tem base legal, cruzando pura e simplesmente as contribuições de assalariados, autônomos e empregadores à Previdência com o pagamento de benefícios, Denise avalia que essa forma de cálculo desconsidera um dos maiores avanços inscritos na Constituição de 1988 em termos de direito social: a criação de um sistema integrado de seguridade social, financiado com recursos próprios, ou seja, uma política social avançada que viabilizaria a sobrevivência de setores mais pobres da sociedade.
O que fica claro é o cerco de um pensamento hegemônico aos direitos sociais. Por esse raciocínio a tarefa primordial do Estado é pagar suas dívidas e os juros delas decorrentes. Para garantir o cumprimento dessa meta, o Estado deve se desvincular das atribuições que a coloquem em risco.
Assim, o setor financeiro ganha nas duas pontas. Assegura seus altos lucros com os juros da dívida pública, de um lado, e vê um direito social como a Previdência transformada em um ativo financeiro a ser gerenciado por ele próprio. Enquanto isso, a grande parte da população fica sem saúde, sem aposentadoria, sem assistência social.
Na última terça-feira, dia 3, a professora Denise Lobato Gentil apresentou seus números ao Fórum Nacional de Previdência. Aos interessados, a Apufsc pode disponibilizar o DVD do seminário realizado no dia 27 ou cópia da apresentação em Power Point dos dados expostos pela professora.