Lá fui eu pra Brasília meio que empurrado, meio que de supetão. Assim, de repente, de uma hora pra outra, portando na valise duas peças pro nem frio nem calor goiano e três tarefas a cumprir na qualidade de observador-representante da Apufsc. Apesar do susto, me recompus e comportadamente aceitei a incumbência, até com muito gosto. Uma, porque jamais pisara dantes em território tão emblemáticod+ outra, porque os motivos para a viagem eram (e são) de suma importância para cada um dos professores da UFSC.
Eram três os motivos:
1. A tão almejada audiência pública, marcada para o dia 28/06, que tinha por foco a usurpação orquestrada pelo Ministério Público de ¼ do salário de 1823 professores que, desde 1989, recebiam por efeito legal a URP e de todos os demais professores que, por isonomia, terão direito ao mesmo benefício, conforme se verá mais adiante.
2. Nos dias 29 e 30/06, o “2º Encontro Coletivo Jurídico do Andes”, reunindo os advogados de todas as ADs para a discussão de idéias e encaminhamentos em torno de temas como os efeitos do PLP 01 e a política remuneratóriad+ os atos ilícitos do Governo contra os servidores públicosd+ a carreira docente e as diferenças de remuneraçãod+ a negociação coletiva e o direito de greved+ o plano de desenvolvimento educacional em curso – Universidade Nova, E a d, Reunid+ os processos judiciais de Planos Econômicos (URPs)d+ a assistência médica – GEAP e previdência.
3. A Reunião do setor das IFES do ANDES, nos dias 30/06 e 1º/07, para avaliar a mobilização da categoria em função da campanha salarial e conseqüentemente decidir sobre propostas a serem encaminhadas aos professores de todas as IFES através das ADs.
Desde meu ingresso na UFSC nos idos de 80, estou filiado ao nosso Sindicato e tenho acompanhado as decisões tiradas em Assembléia que, sobretudo naquela década, funcionava como uma vanguarda dos movimentos que evoluíam para uma universidade melhor, para um Brasil melhor. Chegamos a um projeto isonômico cujos salários se equiparavam aos dos magistrados. A produção ia de vento em popa sem ficar nas meras publicações, dessas que hoje mais parecem cumprir tabela curricular a fim de mais facilmente abocanhar bolsas e verbas.
Viramos a esquina e perdemos alguma coisa. A nova ordem econômica fundada ainda naquela década, mas não pelos brasileiros, sempre atrasadinhos na perseguição do processo histórico (lembram-se do primeiro liberalismo inglês?). Mais recentemente perdemos o bloco oposicionista que se mudou pra Brasília e se promiscuiu em meio àquelas elites que vêm desde o velho liberalismo e não há detergente que os desinfete dos trâmites nacionais. Veja-se a dupla mais cobiçada nos festejos juninos e sertanejos por esse Brasil adentro: “Renan e Roriz”. O maior sucesso, a maior bandalha. De fato, sempre braços dados com o contraditório: o projeto político do Brasil dirigente se ajusta economicamente com a ordem mundial, porém mantém-se avesso às complexidades sociais.
Sobrou crise nas organizações de base e em meio a ela, busca-se a duras penas a desconstrução. Sabe como é: despencamos para uma desordem salarial. Ficamos com as perdas e o professorado que veio chegando foi se amalgamando à nova composição de lucros e perdas. O Executivo oferece vantagens que são burlas à Constituição, conforme provaram os advogados reunidos no “2º Encontro Jurídico”. Assim sendo, cada professor cria seu próprio núcleo de pesquisa, fecha-se em seu gabinete, busca sua verba pessoal – seu lucro. Desavizinhamo-nos e viramos solidão sem ganho de tempo. Corre-se a publicar o livro-produto da pesquisa, e o livro custa caro. Corre-se a vender um projeto de extensão, corre-se atrás de um convênio com o Ceilão, a Tailândia, sei-lá-o-quê. O professor não se aposenta pra não perder dinheiro e cai no golpe da “aposentadoria remunerada”, outra burla à Constituição. Coitado, não desconfia que quando aposentar-se de fato vai se dar conta da cilada ao perder a integralidade salarial !
Em fevereiro último mais um golpe. Surrupiaram a URP ! Então eu me aproximei da Apufsc e vi o desconforto de uma equipe séria na busca de novos caminhos Me agreguei, pois senti em cada membro dessa nova diretoria firmeza e esperança. São pessoas diferentes e por isso haverá atritos e desses a “sacada” para apostar que há outras maneiras de mobilizar esse povo adormentado da nossa universidade e das IFES em geral.
Foi isso que vi no relato das membros da grande reunião do Setor das IFES (feita no átrio do Hotel St. Paul) em Brasília, no sábado pela manhã. Não havia representante cuja fala fosse diferente quanto à desmobilização do professorado. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul uma mesma queixa: a presença nas assembléias é medíocre e a desmobilização para a campanha salarial é um fato. Professor não quer falar em greve, ainda segundo os relatos dos representantes de cada AD e, embora os funcionários estejam paralisados, as universidades estão funcionando como se nada houvesse. Todas. Entretanto, levanta-se altaneiro o representante da AD da UFRGS que, entendendo o contrário, faz desabrido discurso pró greve como única forma de provocar a abertura de negociação. Afinal, desde março o presidente do Andes vem tentando negociar salários e planos de carreira e sequer uma resposta foi dada pelo ministro da Educação. Para dizer que não houve sinalização, o ministro Paulo Bernardo mandou dizer que em 2007 não há o que conversar sobre aumento de salários.
Enquanto isso, na reunião do Coletivo Jurídico (feita no térreo do mesmo hotel, o que ironicamente pode-se traduzir como “feita com os pés no chão”), os advogados mostravam-se pessimistas com relação a movimentos grevistas. Em breve panorama histórico, lembraram que as greves passaram de crime a questão de milícia, daí a restrição e, agora, com a iminente regulamentação, já que prevista na Constituição de 88, greves no serviço público provavelmente serão quase que proibitivas. Segundo os advogados, do ponto de vista dos recursos jurídicos, chegou-se no limite, mesmo porque o STF tem-se mostrado contrário a toda e qualquer greve que venha do serviço público, entendendo que todo serviço público é fundamental. Ante o quadro atual, em que é vazia a perspectiva de negociação, acredita-se ser iminente a regulamentação do direito de greve. Afinal, a não regulamentação a quem pode interessar?
A greve acha-se diretamente ligada a reajustes salariais e orçamentários para o funcionamento adequado do Ensino. Nesse sentido, deve ser entendida como conseqüência de um ato ilícito por parte do Estado, qual seja, sonegar reajustes. Muito séria a observação dos advogados quanto à burla à Constituição a esse respeito: ao propor 0,01% de aumento salarial, portanto abaixo da inflação, houve burla para, em seguida, praticar a mora porquanto nada pagou. É preciso, pois, buscar o envolvimento do Ministério Público para esta causa, de forma que haja a antecipação do ilícito sob pena de multa, qual seja: o reajuste sonegado aos servidores.
Greve, carreira docente, reajustes foram, juntamente com o tema URP, pontos nevrálgicos e que levaram os advogados a pensar estratégias conjuntas, mesmo porque, no que se refere à URP, têm sido marcantes as diferenças tanto nas ações processuais quanto nos julgamentos. Nosso advogado, dr. Luís Fernando, fez uma defesa veemente da manutenção e posterior extensão da URP a todos os professores. Mais veemente ainda foi seu alerta para que o Andes assuma o assunto de modo vigoroso sob pena de haver um sério rompimento entre professores e ADs. Este foi um dos temas mais discutidos, pois ele se espalha por todas as universidades de modo diferenciado e num ir e vir processual sem lógica, desde que a Súmula 322 – outra burla – dá entendimento contrário aos ganhos já obtidos. Todavia, há que se ater à força da coisa julgada ante tratamentos tão diferenciados para o mesmo caso, sobretudo entre o TCU e o STF.
Ficou acordado entre os advogados que se estabelecesse um processo de negociação a partir dos reitores em seu Conselho, coisa que, aliás, se deliberou também na Audiência Pública aberta pela deputada Ângela Amin, comprometida com a criação de um grupo de trabalho para aprofundamento do assunto, conforme encaminhamento de todos os presentes na audiência havida no dia 28/06. Como não houvesse um levantamento por parte das ADs quanto ao andamento das URPs, eu mesmo ofereci aquele feito pelo prof. Henrique Finco, de modo a que todos os advogados tivessem um ponto de partida. Porém, o levantamento em questão deverá ser mais apurado, uma vez que, doravante, todos os setores jurídicos do ANDES deliberaram trabalhar conjuntamente sobre a matéria.
Entreatos, bati perna pela cidade de Nonô, agora uma Babel de sotaques nordestinos acumulando desperdícios por todos os cantos. Desleixo no trabalho é notório, sobretudo pelos corredores e elevadores do Congresso para onde eu corria a almoçar, pois o restaurante dos funcionários é o mais barato e, ousaria dizer, o de melhor comida – o peixe mapará, de águas doces, é carnudo e delicioso. Numa dessas idas, notei algo brilhando no chão, à porta do Congresso. Ao pegar, vi ser uma moedinha de cinco centavos, quente sob o sol do meio dia. Enfiei-a no bolso com um riso amarelo.
Era já tardinha quando rumei para o aeroporto onde embarquei num aviãozinho que poderia ser atingido por um Legacy da força aérea estadounidense. A bordo éramos 154 pessoinhas, algumas emproadas, arvoradas a grandes coisas, outras mais simplezinhas. Por certo não havia nenhum delinqüente político, na expressão da deliciosamente espevitada Heloísa Helena que não nos deixa perder a esperança de que “dias-melhores-virão” (ela mais ½ dúzia de quixotes os quais, lamentavelmente, de pouca valia são. Por quê? É que na hora do vamos-ver, voz e voto desses guerreiros se perdem ante as centenas dos delinqüentes unidos em favor do Maracutaia Futebol Clube e em desfavor da nação).
No grande projeto ficcional da aviação brasileira decolagem das 20:28 h. passa para 23:25hd+ e em nome da correta gestão empresarial os dois vôos BRB-FLN se transformam em um único, obedecendo a planilha esperta que embutiu um terceiro vôo para equacionar valores quantitativos. Assim foi que, emproados e simplezinhos foram para o espaço devidamente engavetadinhos, mas com direito a um sanduba fofo com sabor de pão queimado.
A uma da madrugada as rodinhas gorduchas bateram estridentes no cimento frio do Hercílio, dito internacional. Enfiei as mãos nos bolsos pra me aquecer e percebi que a moedinha de cinco centavos ainda estava comigo. Se isso foi tudo o que Brasília me deu, melhor pensar que representa um começo. A parte que me pertence e aos colegas, aposentados ou não, é muitíssimo mais do que a singela moeda. E se preciso for, vamos arrancá-la. A Apufsc é o caminho.