Semana passada recebi um convite para participar da organização de uma associação de moradores da rua onde moro. Já se vão quase sete anos de vida neste endereço, mesmo assim conhecia muito pouco dos vizinhos que foram se multiplicando de forma assustadora nos últimos anos. No início não éramos mais que 30 moradores, hoje somos aproximadamente 100. Já não nos conhecemos mais!
A reunião começou tímida, fria, desconfiada. Percebi logo de início que não nos conhecíamos a ponto de podermos falar confortavelmente. Percebíamos muitos pontos em comum em nossos horizontes de melhorias comunitáriasd+ divergíamos na estratégia e na qualidade dos encaminhamentos. O interessante deste momento de construção de projeto coletivo é que as divergências imediatamente eram absorvidas por um “núcleo central e centralizador” que, em nome de dar seqüência e progresso ao objetivo (fim), alvoroçava-se a assumir (pragmaticamente) o encaminhamento do que era conflitivo e não consensual.
Assim, já no início do processo de organização coletiva da associação de moradores da rua, começavam a se repetir os mesmos tropeços das formas de organização coletiva que vivenciamos nas instâncias do mundo capitalista contemporâneo.
Grupos pragmáticos, frios, pouco acolhedores, com pouca vinculação íntima entre seus membros, muita pressa em atingir seus objetivos, com núcleos centralizadores e “empoderadores” de alguns, em detrimento das obras coletivamente partilhadas, enfim, bem ao modo como é a vida acadêmica universitária onde trabalho, quando, por exemplo, o tema é o poder dos cargosd+ os atropelos das tarefas decididas de formas irrefletidas, muito mais para atender a interesses e deliberações do poder central local ou de Brasília do que para atender a produção de conhecimento solidária às causas populares.
Se pararmos para refletir por alguns minutos, perceberemos que estas relações, ritmos, tarefas, objetivos e formas de sermos conduzidos por “chefes”, já não nos agradam, já não nos fazem sonhar como antes a utopia de conhecimentos que nos façam, a nós e a nosso povo, grandes e plenos de vida.
Perdemos em algum momento a dimensão de saber quem são nossos vizinhosd+ nos confrontamos quase sempre pela tarefa e a estratégia de encaminhá-la o mais rápido possíveld+ somos jocosos ideológicos, mais do que educadores dialógicos das diferenças de projetos, que por certo existemd+ já não nos interessa o sujeito e os planos mais íntimos que vão no coração dos companheiros de “trabalho” (vizinhos) de porta de sala de permanênciad+ de departamentosd+ de centrosd+ de universidade, menos ainda, os sonhos mais íntimos de cada aluno e das comunidades que nos rodeiam.
Já não nos interessa, por exemplo, a precariedade da vida e das lutas dos nossos amigos/irmãos e companheiros de jornada-profissional-existencial em greve, os técnico-administrativos, como são chamados genericamente por nósd+ já não nos perguntamos mais com curiosidade quem são estes nossos vizinhos. E se não nos interessa mais saber quais são seus sonhos profissionais e pessoais mais íntimos, então, como poderemos nos solidarizar com suas angústias?
Cresci menino, e sempre sonhei ser gente grande, cheio de “vizinhos” que alcançavam gentileza entre os muros de uma comunidade humilde, e isto fazia a vida comunitária ficar melhor, mais feliz para todosd+ a cooperação impedia muitos sofrimentos individuais. Hoje, homem, sonho-saudades destas relações na “casa maior do saber” (universidade)!
Em relação a nossos vizinhos técnico-administrativos em greve, sinto muito ainda sermos pouco generosos em incluí-los de forma mais efetiva em nossas atividades de pesquisa, ensino e extensãod+ sinto muito quando nos vemos no dia-a-dia de forma tão distante, apesar de tão próximos em nossos dilemas de vida pessoal e profissional.
Ao longo deste tempo de sua greve, enquanto não conseguimos construir uma forma mais coletiva de nos reconhecermos como companheiros de jornada pela manutenção do ensino público e de qualidade, acordei com meus alunos um tempo de nossas aulas para que possamos nos informar e comprometer com suas/nossas bandeiras de luta, buscando nos tornar vizinhos mais fraternos, para podermos ter com sua/nossa ação de luta (greve) condições mais dignas de trabalho…para nós e para o povo sofrido de nosso país.
Portanto, que nós professores das universidades públicas federais sejamos mais “bons vizinhos”, tanto quanto achamos importante sermos bons professores a partir do que produzimos e registramos em nossos currículos Lattes.