Não garante a paridade, não é vitalício, não é solidário e pode virar pó se for mal administrado. Estas são as principais características do fundo de pensão complementar dos servidores públicos federais proposto pelo governo federal.
A minuta do projeto de lei que institui a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal) foi alvo de uma análise técnica feita pela assessoria econômica do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) e suas conclusões são alarmantes.
Cada participante do plano terá sua conta individual. Isso significa que o fundo não será solidário, com o total arrecadado com as contribuições sendo usado para pagar as aposentadorias e pensões dos servidores. É o mesmo tipo de plano de previdência privada vendido pelos bancos, de contribuição definida. O valor do benefício a ser pago depois da aposentadoria dependerá do rendimento das aplicações e do período que o participante deseja recebê-lo.
Esse modelo traz consigo três problemas. Primeiro, a paridade entre o salário da ativa e o valor da aposentadoria deixa de existir. Segundo, o Estado não garante mais a aposentadoria integral do servidor, somente o teto pago pelo INSS, limitado a R$ 2.801,82 pelos valores de abril de 2007. O terceiro é que, dependendo do valor do benefício complementar definido pelo participante, o pagamento poderá não ser mais vitalício, se o servidor viver mais tempo do que o montante de sua contribuição durar.
O fim da paridade está claramente colocado na minuta do projeto de lei. O parágrafo 5º do artigo 3º da proposta determina que o benefício será reajustado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE. O parágrafo, no entanto, não estabelece a periodicidade dos reajustes.
Os trabalhadores que ingressarem no serviço público depois da instituição da Funpresp farão obrigatoriamente parte do fundo, “independentemente de sua adesão ao plano de benefícios” (item I do artigo 3º).
Para atrair os atuais servidores ao fundo de pensão, a minuta determina que os trabalhadores que ingressaram no serviço público até o dia anterior ao funcionamento da Funpresp têm 180 dias para aderir ao novo plano, assegurando a eles a concessão de um benefício especial diferido. O projeto não prevê a reversão da decisão, ou seja, depois que decidiu aderir ao fundo, o servidor não poderá mais sair dele.
Esse benefício especial será equivalente à diferença entre a média aritmética simples de até 65 remunerações (5 anos de contribuições)>evidamente atualizadas,anteriores as parcelas utilizadas como base de cálculo para as contribuições pagas pelo servidor ao regime de previdência então vigente e o limite máximo do teto de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do INSS, multiplicado pelo fator de conversão, explica a análise técnica feita pelo Unafisco.
O fator de conversão, cujo resultado é limitado ao máximo de um, será a divisão da quantidade de contribuições mensais (limitadas a 65) efetuadas para o regime de previdência da União (artigo 40 da Constituição Federal) por 455 (13 contribuições anuais multiplicadas por 35 anos).
Esse fator embute de saída uma discriminação: as servidoras públicas podem se aposentar com 30 anos de contribuição (13 x 30 = 390) e teriam que contribuir mais cinco anos para se equipararem aos homens. O
Assim, os atuais servidores que optarem por migrar para a Funpresp terão sua aposentadoria fatiada em três partes: um benefício equivalente ao teto do INSS, um benefício especial (conforme explicado acima) e a renda do fundo de pensão, conforme a sua reserva acumulada.
“Essa reserva vai depender fundamentalmente das oscilações dos mercados financeiros nos seus diferentes segmentos (renda fixa, variável, investimentos imobiliários e outros)”, destaca o Unafisco. A má gestão do fundo, portanto, pode transformar os recursos em pó.
Somando-se o fato de que o benefício da aposentadoria não será mais vitalício e conseqüentemente o futuro dos milhares de servidores será completamente incerto.
Há ainda dúvidas e críticas na constituição da direção da Funpresp e das entidades patrocinadoras. O fundo abarcaria os servidores de todos os poderes da União – 600.544 trabalhadores em 31/12/2005 –, englobando um conjunto altamente diversificado de remunerações, cargos, carreiras e responsabilidades no serviço público. Estariam incluídos no plano desde o auxiliar executivo em Metrologia e Qualidade, cuja remuneração inicial é de R$ 911,84 até o delegado da Polícia Federal, com salário inicial de R$ 10.862,14.
Com essa gama de complexidade e diferenças nas carreiras do servidores públicos, o funcionamento de um fundo único seria dificultado pela também ampla variação de reivindicações de cada segmento do funcionalismo.
Para complicar ainda mais, o projeto permite a adesão de estados, municípios e do Distrito Federal, com a Funpresp passando a ser um fundo multipatrocinado. O componente político e a boa relação desse emaranhado de diferentes realidades e posições existentes entre todas as esferas do poder público seria mais um complicador para a boa administração da previdência complementar.
No afã de disponibilizar o dinheiro da previdência dos servidores para o sistema financeiro, o governo faz questão de ignorar a diferença da natureza do trabalho no serviço público. Isso fica evidente já na Constituição Federal. Enquanto os trabalhadores do setor privado têm sua previdência tratada no capítulo da Seguridade Social, a previdência dos servidores públicos está incluída no capítulo que trata da Organização do Estado.
O servidor público não encontra amparo na legislação trabalhista, tampouco tem direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Está sujeito a regras muito específicas e à exigência de dedicação exclusiva e a código de condutas que transcendem a sua própria atividade.
Com o funcionamento da Funpresp, “haverá três tipos de servidores: os já aposentados com benefício integral de aposentadoriad+ os atuais servidores em atividade que receberão incentivos para aderir ao fundo complementard+ e os futuros servidores que terão a sua aposentadoria limitada ao teto do regime geral da previdência social”, ressalta o Unafisco.
Destaque-se também que a previdência complementar não representará nenhuma economia a curto e médio prazo para o governo. Na prática, vai, inclusive, onerar ainda mais os cofres públicos. Isso porque, as contribuições feitas hoje, tanto da parte do trabalhador quando a parte patronal, ficam no Tesouro Nacional. A partir da instituição do fundo, o governo terá que repassar a contribuição do servidor para o fundo complementar e para o INSS e terá que contribuir com sua parte para os dois fundos. Além disso, também terá que pagar o chamado benefício especial proposto no projeto para atrair a adesão de quem já trabalha no serviço público.
Depreende-se, portanto, que a única ponta que efetivamente sairá lucrando de imediato com a instituição do fundo será o sistema financeiro, que terá uma enorme massa de recursos à sua disposição.